Recentemente, a universidade onde estudo teve que paralisar suas atividades presenciais devido a ameaças feitas por um aluno em vídeos postados no canal que o mesmo mantém no Youtube. Visivelmente alterado, aparentemente em surto, ele ameaçava invadir o campus atirando. Não se sabe ainda quem e por que, mas fato é que o vídeo se espalhou como rastilho de pólvora nas redes da comunidade acadêmica causando uma histeria coletiva durante o final de semana. Como se não bastasse, ainda no domingo, o rapaz ao saber da repercussão iniciou uma live e ao vivo compartilhou sua crise de ansiedade com algumas centenas de expectadores, que se dividiam entre os que o incitavam e os que tentavam acalmá-lo. No meio de tudo isso, discentes, docentes, decanos, técnicos e outros participantes da universidade assistiam estarrecidos aos níveis de insanidade generalizada deflagrados de um lado para o outro. Saldo final: dois dias de atividades presenciais suspensas, intervenções de órgãos como Polícia Federal, profissionais de saúde mental, afastamento cautelar do aluno, notas de reitoria e manchetes em jornais. Mas o que mais devia preocupar passou praticamente desapercebido, ou pelo menos a poucos chamou atenção: como a humanidade está adoecida.
Num primeiro plano, pela histeria que foi instalada de forma imediata, pela impulsividade do compartilhar dos vídeos sem nenhuma análise feita com o devido distanciamento acerca das dimensões e consequências daquele ato. Segundo, porque o chat durante a live recebeu comentários assustadores, que revelavam total falta de empatia com o ser humano que ali estava visivelmente num estado que não poderia ser considerado “natural”. Em momento algum, aqueles que o provocavam, pensaram nas consequências de suas palavras, nas dores e nos gatilhos que poderiam estar despertando em alguém que notoriamente estaria sujeito a surtos. O indivíduo que protagonizava o episódio se autodeclarava “incel”, alcunha que eu fui descobrir ali significar o nome dado ao celibatário involuntário (do inglês “involuntary celibates”), ou seja, aquele que não mantém relações por falta de opção mesmo. Fazem parte de um grupo extremista, que possui na maioria das vezes características misóginas ou sexistas, racistas com tendências a perseguir minorias.
Fiquei por alguns minutos quieta assistindo à live. O rapaz estava no meio de uma crise de ansiedade, isso era fato, acendia um cigarro atrás do outro, não falava coisa com coisa, apresentava momentos que alternavam entre carência afetiva e revolta, ódio e desprezo, os comentários dos outros expectadores me deixavam ainda mais atônita. A humanidade está adoecida, coletivamente adoecida e ao contrário do que é evidente como um vírus invisível a olho nu, que dizima milhões de pessoas, a saúde mental e emocional da população mundial está igualmente afetada.
O capitalismo selvagem imprimindo nas mentes o “ter” em detrimento do “ser” e a tecnologia tem protagonizado um afastamento de corpos que tem provocado sérias lacunas no desenvolvimento emocional humano. Se antes, aprendíamos desde a infância, no convívio com nossos pares, nas brincadeiras de rua que ocorriam normalmente no contraturno da escola a como dirimir nossas questões, mediar nossos conflitos, lidar com as nossas diferenças e até suportar nossas pequenas dores físicas e emocionais, hoje os pais não estão mais em casa, estão correndo atrás do “vil metal” e as crianças, portanto, também não podem estar juntas nas ruas, então, encontram-se por de trás das telas, conectadas virtualmente. Mas essas lacunas, que vão se formando no desenvolvimento emocional, vão provocando feridas internas, e cada vez mais se ouve falar de depressão, bipolaridade, Burnout, dependência química, síndrome do pânico, transtorno de personalidade, boderline e tantas outras patologias. Como diz a canção, que dá título a esta matéria, transcrevo aqui um trecho dela que muito se adequa a reflexão que proponho: “ainda vai levar um tempo, pra fechar o que feriu por dentro, natural que seja assim, tanto pra você quanto pra mim. Ainda leva uma cara, pra gente poder dar risada, assim caminha a humanidade, com passos de formiga e sem vontade.” Me permita completar o mestre Lulu Santos: assim caminha a humanidade, com passos de formiga e sem vontade de realmente valorizar o que realmente importa: SER em vez de TER. Mudemos o rumo!