Sabe-se que a Cia Ensaio Aberto não precisa de crítica para legitimar as suas obras. Mas é sabido, para quem escreve para o Teatro, a necessidade de reverberar a beleza dos seus espetáculos é como um pássaro na alma do crítico, querendo voar e dar aos céus ainda mais beleza.
A frente da obra teatral no Armazém da Utopia está o diretor Fernando Lobo, que sabe fazer Teatro como poucos. E o faz muitíssimo bem!
O Armazém da Utopia está em um lugar belíssimo na cidade, o Boulevard Olímpico, bem pertinho do AquaRio e da roda gigante Star, ir até lá pode ser um passeio feito de VLT e assim a maioria chega, como formiga, pelos trilhos do trem, andando em grupos. Cena linda de se ver. São tribos diferentes, já que o Armazém é democrático e o público vem à vontade, cada um do seu jeito.
Ao começar a divina montagem, é possível ver pessoas sentadas pelo chão, quando as cadeiras da arquibancada já estão cheias. Isso prova que, independentemente do local, quando a obra é boa, o teatro lota! Que isso sirva de recado para a bancada dos editais governamentais!
É muito triste ver equipamentos públicos vazios, com peças contempladas por essas mesmas bancadas, e é um prejuízo enorme, pois o Teatro precisa acontecer, precisa educar, e quando não há público, o fomento perde o valor que deveria ter e deixa de alcançar toda a sociedade.
Morte e Vida Severina chega na hora certa! São cem anos da Semana de Arte Moderna. E o que foi o movimento? Um grito as questões sociais do Brasil na época. O modernista Cândido Portinari em uma de suas obras trouxe Os Retirantes, uma pintura sobre tela que deixa explícita a busca por condições melhores de vida. E parece que a arte continua com o mesmo olhar!
Morte e Vida Severina tem um histórico lindíssimo, um espetáculo montado na década de cinquenta pelo Norte Teatro Escola do Pará, um grupo pioneiro do Teatro brasileiro, que mais tarde tornou-se Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará.
“Em 1965, Roberto Freire, diretor do teatro TUCA da PUC de São Paulo pediu ao então muito jovem Chico Buarque que musicasse a obra”, levando o espetáculo a mais elevadas críticas, no “Le Figaro” e no “Le Monde”.
E em 2022, a obra é remontada pelas mãos do teatrólogo Fernando Lobo, com a certeza que seria mais um sucesso da companhia!
Luiz Fernando Lobo, no programa do espetáculo, fala a respeito da fome, que mais uma vez bate à porta desse Brasil imenso, que insiste em ser pequeno.
“Severino é um nordestino que resolve tentar mudar de vida e vai em direção ao litoral e ao sudeste do Brasil, esperançoso de que no caminhar não encontrará mais a fome, a miséria e a opressão com as quais foi forçado a se habituar. No entanto, sua jornada provará que encontrar um novo começo é muito mais difícil do que parece.” (Sinopse)
A história é respeitada no palco. Escrever sobre o que é apresentado no Armazém é difícil, porque é tudo não dimensionável, que as palavras fogem à cabeça, se é que palavras bastariam para descrever o que se vê.
Itamar Assiere, diretor musical, encanta em todos os sentidos e musicistas potentes acompanham o espetáculo. Dizem que quem não gosta de Samba é ruim da cabeça, pode-se dizer o mesmo daqueles que reprovam os arranjos feitos pelo Assiere. Mencionar os nomes desses profissionais é um prazer: Itamar Assieri (acordeon), Marcílio Figueiró (violão e viola), Maria Clara Valle (celo) e Mingo Araújo (percussão).
Serroni assina a cenografia ocre do espetáculo, onde a seca é visível! A cenografia conta com mãos habilidosas de artistas, que merecem ser mencionados com destaque nome por nome e não somente na ficha técnica, porque são responsáveis por dar vida ao espetáculo, atuam olhando visceralmente para dentro dos olhos dos espectadores, com um coro celestial.
São eles: Gilberto Miranda (Severino), Luiz Fernando Lobo (Mestre Carpina), Anderson Barreto, Anderson Primo, Bruno Peixoto, Camila Gonzalez, Farley Matos, Felipe de Góis, Grégori Eckert, Igor Federici, Isabela Coimbra, Joana Marinho, Kauane Ribeiro, Luiza Moraes, Mateus Pitanga, Natalia Amoreira, Nelson Reis, Pamela Almeida, Pedro Fernando, Rossana Rússia, Sanny Alves (verdadeiro canário-da-terra), Tathiana Loyola, Tayara Maciel e Tuca Moraes.
Esses artistas são como lendárias pedras filosofais, que transformam matérias em ouro, assim como esses artistas conseguem elevar o Teatro ao mais nobre valor!
Às mulheres desse espetáculo merecem um grande salve, pois um dos atos mais belos é quando as mulheres chegam com velas trazendo o corpo de Severino, a cena traduz com beleza e legitimidade o Nordeste brasileiro. Que loucura esse o ato!
Nas mãos, o quadro que quase todo nordestino tem em suas paredes, o Sagrado Coração de Jesus, com Maria ao lado. Ao fundo a cor de azul cerúleo borrado pelo tempo, uma direção de arte singular.
A iluminação de César Ramires é sinônimo de grandeza e deixa a plateia bestificada. Sombras e cores se misturam e dão um show à parte.
A preparação vocal orientada por Ana Calvente e corporal, orientada por Joana Marinho, são feitas com excelência, os corpos se movimentam de acordo com a música, como se os artistas levassem choques de uma maneira coordenada, num movimento elegante e harmonioso.
A engenharia de som de Branco Ferreira tem inserções bem colocadas.
Os figurinistas Beth Filipecki e Renaldo Machado trabalharam de acordo com a obra de João Cabral de Melo Neto e isso basta, porque a verdade da caatinga chega aos olhos do público também por intermédio das indumentárias.
O protagonista Gilberto Mirando assume uma postura corporal às vezes lúdica, lembra um menino, vem carregado de humildade, um verdadeiro Severino. Ele, que em sua caminhada é rodeado pela morte, pelas dificuldades e pela parte que cabe desse latifúndio a esse povo sofrido, a cova!
Rossana Rússia está em palco prodigiosa como sempre, como se tivesse a vida nos braços entrega-se ao ofício com devoção.
Farley Matos é um jovem ator coadjuvante, que chama a atenção, com olhar atento ao que acontece no palco. Ele também esteve na obra “O Dragão” do Armazém, nota-se a mesma peculiaridade, um profissional sedento e festivo só por estar no palco. O ator merece palmas e espaço, pois dele, mesmo sem ser protagonista, é visível uma fonte inesgotável de surpresas cênicas. Jovem talento aberto ao aprendizado!
Anderson Barreto e Bruno Peixoto dão um show de corpo, voz e tudo mais que fazem. São belíssimos e incríveis em seus papéis.
O Jornal Portal agradece à Flávia Tenório por trazer esse espetáculo e também à atriz Joana Marinho por ceder um espaço na plateia de onde foi possível contemplar sua postura cênica durante toda a montagem, bem como enxergar os objetos de cena, deslumbrantes e reais. Bacias, terços, cruzes, até a marmita, tudo aquilo que enreda a vida de um sertanejo.
Vida longa a esse patrimônio imaterial e cultural do Rio de Janeiro, viva a Companhia Ensaio Aberto! Vocês são verdadeiros fazedores de Cultura, da rica e plural cultura brasileira e responsáveis por toda beleza e obra que chegam por meio dessas mãos arteiras!
FICHA TÉCNICA
Texto: João Cabral de Melo Neto
Músicas: Chico Buarque
Direção Geral: Luiz Fernando Lobo
Direção Musical e Arranjos: Itamar Assiere
Direção de Produção: Tuca Moraes
Conselheira Artística: Iná Camargo Costa
Cenógrafo: J. C. Serroni
Iluminador: Cesar de Ramires
Figurinista: Beth Filipecki e Renaldo Machado
Programador: Visual Jorge Falsfein e Marcos Apóstolo
Produtoras: Duda Oliveira e Taísa Diniz
Assistente de Diretor: Milena Fernandes
Assistente de Produção: Estevão Bonotto
Produtor de Set: Magdalena Maia
Assistente Executivo: Maria Gabriela Cavalcanti
Preparação Vocal: Ana Calvente
Preparação Corporal: Joana Marinho
Preparação Pilates: Paulo Mazzoni
Coordenação Laboratório de Corpo: Luiza Moraes
Músicas Adicionais: Itamar Assiere, Carlinhos Antunes, Airton Barbosa
Engenheiro & Operador de Som: Branco Ferreira
Operador de Luz: Victor Newlands
Microfonista: Ananda Amenta
Ciência do Novo Público: Agnes de Freitas, Gilberto Miranda, Kauane Ribeiro, Milena, Ferrnandes, Taciana Oliva
Fotos: Renam Brandão e Thiago Gouveia
Vídeos: Maria Flor Brazil, Claudio Tammela – Banda Filmes e Ian Schuler, Marcos Zeni e Renam Brandão
Assistente de Cenografia: Natália Campos, Priscila Soares e Samara Pavlova
Cenotécnicos: José da Hora, José Alves e Wagner de Almeida
Coordenação de Montagem de Cenografia: Samara Pavlova
Assistente de Cenotecnia: Carolina Batista
Pintura de Arte e Texturização: Camila Bueno, Cynthia Cirqueira, Eduardo Couto, Natalia Barros, Nathália Campos, Nayra Nunes e Priscila Soares
Costuras Cenográficas: Samantha
Produção Cenográfica em São Paulo: Carolina Batista
Participantes Oficina de Cenografia: Aruam Galileu Santos, Bruna Kowalski Fiamini, Bruno Peixoto Cordeiro, Camila Bueno, Cátia Vianna, Clara Borges, Cláudio Serra, Cynthia Cirqueira, Drielle Moura, Eduardo Henrique do Couto Pinto, Farley Matos, Felipe de Góis, Gerson Lobo, Gilberto Miranda, Grégori Eckert, Isabela Coimbra Carlim, Kauane Ribeiro, Leonardo Hinckel, Luiza Moraes, Luther Modesto, Mateus Pitanga, Matheus de Mello Albuquerque, Natalia Amoreira, Natália Dário Mendes Barros, Nathalia Campos Rodrigues, Nayra Nunes de Sá, Nelson José Fuccia, Patricia Barbeitas, Patrícia Guimarães Torres, Priscila Soares dos Santos, Rossana Russia Pinto, Samara Pavlova Fantin, Samuel Celeste, Sarah Mantuan, Sillas Pinto, Stefany Rodrigues, Tayara Maciel, Tuca Moraes, Vanessa Alves,Victória Teles Hrihorowitsch, Wanderluci Bezerra.
Figurinista Assistente Patrícia Barbeitas
Assistentes de Figurino: Felipe de Góis e Lanah Santos
Costureira: Maria Portela
Maquiagem: Rosa Bandeira
Cozinheiros: Valéria de Souza Fernandes, Jéssica Cristina Cipriano dos Santos, Renato Pinto dos Santos, Yasmim Rosa Rodrigues, Lucas Rosa Fernandes.
Coordenação de Captação: Natália Gadiolli
Gerente Operacional: Sérgio Medeiros
Administrativo Financeiro: Ione Melo
Assistente de Gestão: Valéria Moraes
Assistente Operacional: Tayara Maciel e Davi Arap
Assistente Administrativo Financeiro: Thays Sodré
Assistente Técnico: Sergio Di Santana e Paulo Andrade
Limpeza: Só Nós da Estiva – Jaime Barbosa e LF Serviços
Seguranças: Só Nós na Estiva – Daniel Oliveira, Mauro Santos, Jailson Felix e Matheus dos Santos
Severinos: Gilberto Miranda (Severino), Luiz Fernando Lobo (Mestre Carpina), Anderson Barreto, Anderson Primo, Bruno Peixoto, Camila Gonzalez, Farley Matos, Felipe de Góis, Grégori Eckert, Igor Federici, Isabela Coimbra, Joana Marinho, Kauane Ribeiro, Luiza Moraes, Mateus Pitanga, Natalia Amoreira, Nelson Reis, Pamela Almeida, Pedro Fernando, Rossana Rússia, Sanny Alves, Tathiana Loyola, Tayara Maciel, Tuca Moraes
Músicos: Itamar Assieri (acordeon), Marcílio Figueiró (violão e viola), Maria Clara Valle (cello), Mingo Araújo (percussão)
Fotos divulgação: Renan Brandão, Thiago Gouveia e Leon Diniz
MORTE E VIDA SEVERINA
Temporada até julho
Armazém da Utopia
Armazém 6, Gamboa
VLT Parada Utopia/ AquaRio
Sextas, sábados, domingos e segundas, às 20h
Ingressos gratuitos
Retirada de ingressos pelo Sympla
www.sympla.com.br/armazemdautopia
Classificação indicativa livre
Capacidade 256 lugares
Duração 80 minutos
Informações 2516-4893 e 98909-2402 (WhatsApp)
O Armazém da Utopia conta com rampas para acesso e banheiro adaptado, propiciando condições de acessibilidade para idosos, pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida. Também teremos intérprete de libras em uma das apresentações.
Abertura da casa 1h antes do início do espetáculo