Minha geração formou-se em meio a jargões, que quer queiram quer não, tendiam a “empurrar” o indivíduo rumo à obrigação de fazer uma escolha, de preferência certeira para sua profissão.
Ainda na infância, a famosa pergunta sempre acontecia: “o que vai ser quando crescer?” Durante a adolescência a ênfase era em “estudar para ser alguém na vida” e na transição desta etapa para a juventude, estimulavam os jovens a enfrentar o famigerado vestibular e num curto espaço de tempo eles se viam frente a frente com as opções acadêmicas a serem escolhidas. Muito comum na época acontecer de cursos serem iniciados e na sequência abandonados por pura incompatibilidade de interesses, já que “de gênio” não caberia aqui…
Talvez porque os pais daquela época ou desejavam projetar em seus filhos a continuidade de suas próprias carreiras, ou então, como suponho a maioria deles, nem sequer ao ensino superior havia chegado. Todavia, relembro bem que as carreiras pareciam ser definitivas, engessadas, centralizadas em áreas.
Quem era professor, o seria até o fim. A mesma coisa podia-se dizer do advogado, do médico, do engenheiro e das demais profissões em evidência naquele momento. Em suma, ter múltiplas profissões, dedicar-se a interesses variados não era algo corriqueiro. Nem comum, e nem tão pouco inédito, já que a história nos apresenta vários nomes de personalidades com esta característica plural. Sob a alcunha de “polímatas” renomados homens e mulheres contribuíram com a expansão das fronteiras do conhecimento devido às suas realizações. Dentre eles, Leonardo da Vinci (1452-1519), Isaac Newton (1642-1726), William Shakespeare (1564-1616), Albert Einstein (1879-1955), Confúcio (551-479 aC), Marie Curie (1867-1934), Nikola Tesla (1856-1943), Hipátia (350/70-415), que como podemos ver fizeram-se presentes nos mais variados tempos históricos.
A ascensão de intelectuais correspondeu a um rápido crescimento do conhecimento em todos os tempos principalmente a partir da invenção da impressão, da descoberta do Novo Mundo e da Revolução Científica. Recentemente, a aceleração do conhecimento impulsionou o aparecimento de inúmeras especializações e, consequentemente, acarretou uma diminuição, pelo menos no âmbito acadêmico, aos cientistas de amplo espectro. Com o mundo vivendo em plena sociedade da informação, com as oscilações econômicas e as instabilidades laborais por essas provocadas, trocar de profissão, empreender em novos negócios, tem se tornado normal. Da mesma forma, até em se tratando da vida acadêmica, torna-se recorrente a ampliação do espectro se dar através das próprias especializações e programas de pós graduação, que muitas vezes são escolhidos cursos, que não são necessariamente continuidade da graduação concluída.
Atualmente uma palavra tem aparecido com frequência nas pesquisas e artigos sobre o mundo laboral: multipotencialidades. O que é ser multipotencial? Seria um novo nome para os antigos polímatas? Aparentemente há uma diferença clara. Os intelectuais acima citados dominavam diferentes ciências, quando afirmamos que alguém domina, pressupõe-se um conhecimento profundo no que tange o tema. Já o multipotencial da contemporaneidade é descrito como alguém que possui diversos interesses e que desenvolve competências variadas de acordo com os segmentos com os quais se envolve ao longo da vida. Sendo assim, é comum que mude de carreira algumas vezes ou atue em áreas distintas concomitantemente e até mesmo reinvente novos espaços multidisciplinares de trabalho.
Particularmente, em função de outras circunstâncias acabei passando por este processo durante as incontáveis experiências profissionais, que somadas à minha paixão pelos estudos, fatalmente me renderam algumas qualificações que vão de radioperadora de plataforma de petróleo a estudante de museologia, passando por formação em pedagogia, tradução, assistente de controladoria de Resort, (graças ao Excel avançado), isso sem falar nos locais onde trabalhei informalmente como garçonete, maitre, supervisora de vendas, bancária, caixa de lotérica, auxiliar de mecânico, auxiliar de pintor, atendente de lojas, vendedora de planos de saúde e por aí vai.
Mas o que me provocou de verdade a escrever sobre este tema foi uma recém-capacitação que fiz durante um processo seletivo voltado para reinserção de pessoas com mais de 50 anos no mercado de trabalho.
Curiosamente, o cenário corporativo atual vem favorecendo perfis que não se mantiveram presos a uma única função, carreira, ou instituição, como outrora considerava-se uma vida profissional de sucesso. Com a necessidade eminente de se absorver novos conteúdos, aprender a trabalhar com ferramentas novas com muita frequência, pessoas que tiveram que “navegar” em variados nichos e funções estão aparentemente mais propensas a adaptarem-se ao volume de informações e avanços tecnológicos que o mundo de hoje traz.
Outro aspecto interessantíssimo que observei, foi uma valorização do desenvolvimento da inteligência interpessoal e intrapessoal em pessoas que transitaram por diversas funções e espaços laborais. A inteligência emocional vem se mostrando e ocupando uma fatia significativa nos processos seletivos, e ainda maior nos processos avaliativos que visam a manutenção, desligamento ou promoção do colaborador.
Portanto, seja qual for a sua idade, a sua experiência ou a sua profissão, não hesite em aprender o que lhe apraz e exercite sempre sua habilidade de transformação. Afinal, o mundo gira e como já dizia outro velho jargão: tudo se transforma. Sejamos então todos energia em transformação!