“Pá de cal” é um espetáculo denso, com um texto que exige atenção dos espectadores para que não se percam. A atriz Carolina Pismel se destaca ao ultrapassar o limite do “ser boa”, ela é ótima ao seguir metodicamente o comando do grande dramaturgo Bertolt Brecht ao dizer: “Visto que o interesse do espectador é canalizado exclusivamente para o comportamento das personagens, o ‘gesto’ destas tem de ser, falando em termos puramente estéticos, significativo e típico.”
Carolina entendeu o recado e exatamente por isso soube criar uma personagem divertida e irreverente, digna das boas premiações, executou com excelência, inovou, não reproduziu nada do mesmo, sua atuação é digna de contemplação, ela deixa a plateia a espera de suas narrativas, absolutamente estupendas.
É necessário observar, que para bons artistas não importam suas características sociais e sim seu intelecto, o saber fazer, o saber atuar e toda sua entrega e dimensão artística.
A atriz Kênia Bárbara vem com a elegância de uma francesa — corporal inclusive, tal qual sua personagem. Com uma fluência no idioma de embasbacar aos que a ouvem. Lindo!
Momento alto do espetáculo é a cena no banheiro entre os atores Orlando Caldeira e Pedro Henrique França. É possível fazer uma crítica inteira só dessa passagem. Ambos estão latentes em seus papéis e abusados em suas performances. Poderia ser só mais um texto, mas não é. Eles abusam das articulações cênicas e usam as ferramentas teatrais com vigor e legitimidade. Lacram encenações inesquecíveis. Talvez um homem “portador de nanismo” e um homem “padrão mais alto” sejam suficientes para que a cena tome tamanha dimensão, mas não é o caso, é absoluta capacidade cênica mesmo, ambos têm o entendimento de que juntos podem fazer bem mais que o risível e trazer análises mais profundas do que simples “achismos”. Movimentos assertivos, excelentes expressões corporais e faciais levam a plateia ao delírio.
Isaac Bernat em sua performance parece trazer a maturidade em todos os sentidos, ocupando o espaço de um pai, que perdeu o filho. O ator não demonstra alegria.
A direção de Paulo Verlings é impecável, pois todo espetáculo com um texto mais rebuscado sempre exige da direção e do elenco um trabalho mais minucioso. A impressão é de que ninguém erra a fala, pois ninguém se perde e se por acaso algo acontece fora do script, fica imperceptível para a plateia, porque o elenco é incrível e o trabalho de equipe muito bem executado.
A movimentação de todos no palco é relevante, e Paulo soube trazer essa dinâmica, sem que houvessem vazios, trabalho primoroso feito em parceria com a iluminação de Ana Luzia Molinari de Simoni, profissional competente, que a cada trabalho se mostra mais eficiente em suas doses harmoniosas de luz.
A figurinista Karen Brustollin não se cansa de acertar, a saia da francesa que aterriza no Brasil é simplesmente um colírio para os olhos de quem assiste. Karen já assinou seu nome no Teatro carioca, pois tem oferecido o melhor na criação das indumentárias vistas no palco, elogios não faltam a seus trabalhos, também não poderia ser diferente, para quem sempre se dedica a cada obra como se fossem o primeiro trabalho, com a mesma paixão e o mesmo entusiasmo que teve na primeira vez que tornou seu trabalho público, já predestinada aos sucessos e encantos que viriam.
“A morte do caçula de uma família partida provoca a reunião onde apenas representantes dos familiares comparecem e serão eles que decidirão o destino do patriarca e da mãe do morto, uma ex-empregada, que também manda um representante legal. A terceirização das responsabilidades interfere drasticamente na condução das questões dessa família.” (Sinopse)
A dramaturga Jô Bilac, embora jovem, tem uma carreira consagrada, reconhecida até por Fernanda Montenegro — rainha do Teatro brasileiro, não por menos tem em sua coleção sucessos inesquecíveis e aclamados pelo público e pela crítica. Ela própria se inclui no contexto ao tentar definir um pouco do Teatro e do espetáculo Pá de Cal: “O Teatro é cada vez mais, para mim, onde podemos rever nossa própria história e nossa condição humana. Esse paradoxo entre vida e morte me move muito”.
Para um espetáculo, que brilha por sua excentricidade, Mina Quental desprende-se do simples e faz uma montagem cenográfica fortíssima e bela. Embora compacta pelo espaço do palco do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), ela recorre a sua capacidade de criação para construir espaços inimagináveis. As ambientações são trazidas com perfeição em detalhamentos que fundamentam as cenas.
Apesar do texto pesado e nada simpático, que o luto pela perda de um familiar traz, sem contar o caro e dolorido inventário, o valoroso espetáculo sedimenta o entendimento que cada um tem sobre morte e vida.
FICHA TÉCNICA
Dramaturgia: Jô Bilac
Direção: Paulo Verlings
Diretora Assistente: Mariah Valeiras
Elenco: Carolina Pismel, Isaac Bernat, Kênia Bárbara, Orlando Caldeira e Pedro Henrique França
Cenário: Mina Quental
Figurinos: Karen Brusttolin
Iluminação: Ana Luzia Molinari de Simoni
Trilha Sonora: Rodrigo Marçal e João Mello
Direção de Movimento: Toni Rodrigues
Visagismo: Rafael Fernandez
Assessoria de Imprensa: Ney Motta
Programação Visual: André Senna
Fotos de Divulgação: Antônio Fernandes
Direção de Produção: Jéssica Santiago
Argumento e Idealização: Paulo Verlings
Realização: Teatro Independente e 9 Meses Produções
PÁ DE CAL
Temporada até 19/12
Quintas, sextas e sábados, às 19h, e domingos, às 18h
Centro Cultural Banco do Brasil (Teatro II)
Rua Primeiro de Março, 66, Centro, Rio de Janeiro
Informações: (21) 3808-2020
Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$15 (meia)
Vendas na bilheteria do teatro, ou pela plataforma Eventim
Acesse: www.eventim.com.br
Classificação: 14 anos
Capacidade de público: 150 lugares
Duração: 70 minutos