Metamorfose não ambulante

É o Brasil, é o Teatro brasileiro seguindo seu curso e rompendo inimagináveis barreiras.

Não há como diferir diante de um trabalho tão bem executado, pode-se dizer fabuloso.

Os artistas brasileiros chegaram lá, chegaram sem dever nada a ninguém, quem teve a oportunidade de assistir a espetáculos internacionais nessa nova linguagem do “Teatro pandêmico”, sabe que os artistas brasileiros entenderam a proposta e os meios e tiraram os pés do freio. E diante de toda a dificuldade não esmoreceram e se posicionaram como verdadeiros soldados da Cultura.

A produção não é tão complexa, tampouco de difícil entendimento, tendo em vista todo o conhecimento e intimidade da atriz Alessandra Negrini com as câmeras. Ela simplesmente abusa de seu traquejo com as lentes.

Um trabalho feito por feras. Mãos eficientes e experientes cooperaram para a execução do audiovisual e não se acovardaram diante do novo, muito ao contrário, o eu artista dentro de cada um gritou alto fazendo com que trabalhassem com afinco para prosseguir desenvolvendo sua arte como fosse possível, adaptando, aprendendo e compreendendo as novas necessidades.

“A Árvore” também faz parte deste processo artístico nascido durante o isolamento. O trabalho começa com uma sonoplastia interessante e provocativa, pois não se sabe qual o sentimento que se acolhe por meio de sonoridades extremamente ferozes, que tocam a todos da plateia virtual. A indução do texto com o acompanhamento da sonoplastia é um experimento inesquecível e perfeito àqueles que se permitem sentir. Fantástico e muito bem escolhido. O audiovisual vem todo musicado, o que o torna uma obra simpática.

Uma montagem minunciosamente editada, com cuidado e pertinência ao tema. Assim também são as imagens que aparecem, sempre bem posicionadas. O enquadramento da atriz é perfeito, independentemente da distância do observador. Uma filmagem gostosa de assistir.

Nitidez em alta. Alessandra Negrini legítima em seu ofício está perfeita. Voz, corpo, expressão facial, dramaturgia. As nuances vocais da atriz seduzem a plateia, ajuda a entender a obra. Seus movimentos parecem milimetricamente pontuados, com intenções sólidas e harmoniosas ao texto. Ela se faz grandiosa ao sentar, deitar, olhar, se movimentar. Admirável profissional. Negrini agrada aos espectadores virtuais com facilidade. O papel lhe cai bem, pois quem conhece a luta da atriz sabe que a solista defende, com veemência, a natureza, o povo da terra e os indígenas.

A atriz abraça o papel com a alma, por defender a vida, em suas dimensões.  Ela narra a metamorfose da dramaturga Silvia Gomez.

Silvia, que em 2019, concorreu ao Prêmio Shell de Teatro, no quesito dramaturgia, pela obra “Neste mundo louco, nesta noite brilhante”, também em audiovisual, com Yara Novaes e a belíssima e não menos potente Débora Falabella.

“Hoje descobri que as plantas não são passivas, não é porque elas se deslocam, que elas não estejam em pleno movimento, porque nós, nós escolhemos fugir das ameaças, migrar, dar as costas, fugir, escapar, mas elas não, elas resolveram ficar paradas, enraizadas na terra, mas não limitadas, mas não as compreendemos, porque só entendemos aquilo que parece conosco”.

Diante do texto nota-se a perspicácia da dramaturga, que durante a pandemia abusou de ser humana, compartilhando com a sociedade seus conhecimentos por intermédio de cursos pelo Brasil, oferecendo escuta aos que estiveram presentes em suas aulas.

E num segundo de desatenção, um fio de cabelo da dramaturga cai em um vaso de planta enquanto regava e de uma foto brotaram palavras e mais palavras para essa metamorfose. E assim se fez “A Árvore”.

Silvia mergulha em mares instigantes de Kafka a Ionesco, um verdadeiro Teatro do absurdo. E por que não? Silvia traz ao texto sensibilidade, contrações filosóficas em fios de pensamentos.

Essa escuta de Silvia é preciosa, até mesmo quando a escuta é dela própria. Ela sabe reverberar com aptidão ideias e sentimentos, ao tempo e também ao espaço. Na verdade, Silvia encanta e mostra a planta, com medo do mundo, apresenta a dormideira, assim conhecida por suas reações ao toque. Um texto delicado e arrebatador!

E para surpresa de nós brasileiras, o espetáculo “A Árvore” irá ser exibido no Festival “Mujeres en Escena pela paz”, criado pela maravilhosa poderosa Patricia Ariza, que este ano comemora 30 anos, grande nome do teatro na Colômbia. O festival exibe apenas peças dirigidas ou escritas por mulheres. Patricia está muito orgulhosa e honrada da peça ter sido selecionada para esse festival, que pela primeira vez terá uma programação on-line, devido à pandemia.

O figurino contemporâneo é bem aceito e está em harmonia com absolutamente tudo.

O cenário muito bem elaborado, dá a sensação do dia a dia, do que é convencional, numa ficção que toma esferas reais, desse tempo atual. É uma explosão, semelhante à inundação de Brumadinho, é o Teatro político. O grito do Teatro a favor da natureza intrínseca dos seres humanos.

Seiva? Sangue? O que importa mais? O que importa menos?

Há vida em ambos e merecem ser preservadas e cuidadas. Basta de mortes! Que “A Árvore” traga vida, mais genética e que haja compreensão da importância do pulsar das sensações, da vida, tão transgredida durante a pandemia.

A ÁRVORE

Única apresentação 10/8

Classificação 14 anos

Duração 70 min

Assista: https://corporacioncolombianadeteatro.com/eventos/xxx-festival-de-mujeres-en-escena-por-la-paz/

 

FICHA TÉCNICA

Texto: Silvia Gomez

Criação e Roteirização: Ester Laccava

Direção: Ester Laccava e João Wainer

Elenco: Alessandra Negrini

Participação especial: @guicalz

Cenário: @camilasch

Figurinos: @analuizafay

Trilha Sonora: @morris.p_oficial

Desenho de Luz: @mirella.brandi

Assistente de Ddireção: @elzemann

Preparação Ccorporal: @anapaulalopezzz

Maquiagem: @betofrancamakeup

Peruca (caracterização): EmiSato/Tisse Sato

Diretor Técnico: @andre_pradoluz

Contrarregra: Jeferson Oliveira Santos

Cenotécnicos: José Alves da Hora, Patrick Lima dos Santos, Rafael Guirado Neto e Rafael Clemente

Técnicos de Lluz: Ari Nagô e Jomo Olaniyan da Silva Faustino

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Imprensa – Fernanda Teixeira/ArtePlural