Gustavo Rodrigues é filho de um dos deuses do teatro, só quem o acompanhou em sua última apresentação presencial, no Centro Cultural do Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, pode entender porque é dado a ele tal título.
Gustavo é um monstro cênico e para ele é justo espaços abertos e muitos aplausos!
Isso, sem mencionar sua grandiosa passagem pelo espetáculo “Tom na Fazenda”! E agora, ele retorna à cena em 27’s e óbvio que o espetáculo é tão bom quanto podem supor os espectadores.
Se é para falar de Rock, que assim seja! Salvem, salvem as santas guitarras! Gustavo Rodrigues vem para alavancar o ânimo dos quarentenados do Rock in roll! Depois do sucesso em Bill Dog, no mesmo estilo, ele reaparece para matar as saudades dos fãs com o seu inquestionável talento. Para falar de Gustavo é preciso cuidado e um olhar minucioso sobre o seu trabalho, ele nunca passa desapercebido. É um ator denso em todas as esferas teatrais, no olhar, na voz, nas expressões faciais e corporais, Gustavo sempre vai em busca do seu melhor, e para sorte do espectador, ele consegue.
27’s é um espetáculo inspirado no “Clube dos 27” e apresenta artistas que se foram ainda jovens, aos 27. Como se houvesse uma sina, uma predestinação incomum, no alto número de músicos que morreram aos 27 anos.
Gustavo ao ser questionado dos próximos projetos e instigado a fazer uma obra tão poderosa quanto “Bill Dog” respondeu prontamente de que outra do gênero estaria no forno. E assim, o Mar Vermelho do Rock se abre! Não poderia ser menos do que foi, pode-se considerar que mãos fortes e conhecedoras cooperaram para o resultado.
Guilherme Leme durante a pandemia se fez onipotente em suas direções e em seus solos, que fazem o público rever o conceito sobre os espetáculos virtuais.
Os Lemes presentes parecem que de monólogos viraram feras, olhares precisos.
A gigante Vera Holtz dispensa comentários, a talentosíssima atriz e nada apolítica, parecia imersa em Rock em todas as suas críticas ao governo, ou melhor, ao desgoverno.
O som? Como todo roqueiro aprecia, alto e limpo!
Primorosa técnica, não poderia ser diferente com a direção musical de Tauã de Lorena.
Tauã carrega musicalidade nas veias e isso faz dele uma espécie de mago.
Quanto a estética? Um vídeo visualmente perfeito, em preto e branco de extremo bom gosto e charmoso, agrada certeiro os roqueiros de plantão.
Com um figurino irretocável, obra de Patrício Reinaldo, que facilmente transforma papel em roupas quando preciso. Um vídeo bem enquadrado, com uma iluminação perfeita!
E o rock chega, chega com “Sympathy for the devil”, arrepia a pele.
E o texto?
O texto como “Espírito bêbado do Aquaman em uma garrafa de Bourbon” (destilado)
A autora Daniela Pereira de Carvalho apresenta um personagem fictício, que atravessa os ícones do rock entregues aos devaneios.
Tanto o texto, como todos os elementos da peça estão na mesma sintonia e espalham o espírito do Rock a toda plateia virtual, que alucina enquanto a banda e a performance se unem!
Falar de temperamentos e tantos outros temais atuais, vai além do texto que poderia apenas falar desses ídolos da música. Simplesmente divino! Tudo bastante convincente e quem conhece o ator sabe muitíssimo bem, que não é somente uma encenação, mas sim, talento musical.
A fúria do Rock está presente, quem gosta entende, o fogo pega no corpo.
A vontade de bater cabeça e abrir aquela cerveja estupidamente gelada é inegável.
Se permitir viajar no som. E claro, sem apologia, a droga não está de fora, afinal a maioria deles morreu de overdose.
Mas, até onde pode-se julgar o certo ou o errado?
“E como vou saber
O que eu devo fazer
Que culpa tenho eu?
Me diga amigo meu
Será que tudo
O que eu gosto
É imoral, é ilegal
Ou engorda…”
Quem nunca cantou esses versos?
E as notas de Kurt Cobain, sequestram as almas e por intermédio desse brilhante ator e todos os demais músicos fodásticos ao som de “The Man Who Sold The World”.
E a heroína e suas nuances tão bem interpretadas por Gustavo, falam sobre o paradoxo
entre as boas sensações e as correntes que travam a vida, no sentido literal.
Excelente interpretação e entendimento.
E quando as notas de Nirvana soam, mais uma vez aquecendo a alma daqueles que julgam o Rock como sagrado.
“As pessoas se agarram às piores das ignorâncias” diz o texto, em um contexto tão atual.
Gustavo dança, alucinadamente, exalando ao público uma overdose de adrenalina. Janis Joplin ressuscita e é apresentada aos espectadores, com requinte e glória, afinal ouvir Janis é e sempre será um prazer inenarrável para qualquer ser mortal.
E as mãos competentes dão à Janis, rainha Rock, um lirismo sarcástico na dose certa. Difícil desenlaçar o teatro, o rock, o ator, a música, o audiovisual, mais difícil dimensionar, separar, evidenciar uma só obra onde tudo parece se completar, e principalmente, quando “Cry Baby” nasce provocando mais arrepios e orgasmos múltiplos.
É teatro? É enquete? É cenário?
Isso pouco importa, depois de mais de 300.000 mortes no Brasil, o que importa é a arte continuar alimentando esperanças.
A obra faz a saudade arder, saudade dos ídolos, do Rock alto na cabeça, da cerveja
amarga descendo ao som de um solo de guitarra… o Rock invade as casas, a plateia delira nos sofás! Saudade da loucura de Amy Winehouse e de sua voz diferenciada. Saudade de Jim Morrison “acendendo o fogo”.
Gustavo Rodrigues carrega a rebeldia e as ideologias que qualquer roqueiro carrega. Basta se deixar levar para transcender por meio do som, da dramaturgia e até da caracterização comedida, precisa, nem mais, nem menos.
A atriz Laura Gabriela interpreta as vozes femininas, parece possuída, com o diabo no corpo, mais uma atormentada.
O cenário conta com candelabros, poltronas desenhadas e tecidos misturados dando um ar de
que tudo pode, mas tudo dentro do contexto.
“O texto que sai da minha boca também é escrito por uma mulher”, recita Gustavo no retorno de Janis. E segue a Mercedes Benz… e seu grito social, contra o capitalismo agressivo.
Músicas que não foram criadas para serem comercializadas, criadas em um boteco, escritas em guardanapos, as pulseiras de Janis faziam os compassos das batidas, porque essa é a essência pulsante do Rock.
Lindo espetáculo, pulsante, inebriante, sedutor, intenso e vívido, frente aos imortais.
Muito foda! Talvez até haja outro vocábulo mais formal, mas não definiria com tanta exatidão.
Aumenta isso aí que é Rock`n Roll!
FICHA TÉCNICA
Texto: Daniela Pereira de Carvalho.
Direção: Vera Holtz, Gustavo Leme e Guilherme Leme Garcia.
Elenco e banda: Gustavo Rodrigues (ator, voz e guitarrista), Tauã de Lorena
(guitarrista), Laura Lenzi (voz e tecladista), Arthur Martau (baterista) e Sandra
Nisseli (baixista).
Direção musical: Ricco Vianna e Tauã de Lorena.
Criação de imagens: Gabriel Junqueira.
Produção de arte e figurino: Ana Roque, Patrício Reinaldo e Pedro Osório.
Iluminação: Adriana Ortiz.
Direção de produção: Monique Franco e Sergio Saboya.
Realização: Procenium Produções Artísticas.
27’s
Assista no YouTube bit.ly/espetaculo27s
Únicas apresentações dias 28, 29 e 30/3, às 19h e às 21h
Dia 31/3, às 19h
Duração: 65 min
Classificação: 18 anos.
Ingressos gratuitos
Fotos José Eduardo Limongi