Atestado de incapacidade do Estado 

Não se pode culpar a pandemia pelo desmonte da cultura.

Há tempos os artistas lutam contra a maré de leviandade do governo atual, que intensifica a desvalorização da arte. Estamos, cada vez mais, próximos a um colapso, não unicamente de outros setores, como saúde, educação e meio ambiente, mas da nossa identidade, pois a cultura de um povo é uma das maiores manifestações de seu passado e história.

Imortalizar o passado tem sido uma luta acirrada travada pelos artistas, que diante das dificuldades e da falta de fomento, têm recorrido a plataformas digitais para divulgar seus trabalhos.

Em uma dessas páginas (Teatro indica RJ) está “Tempos de Errância”, e apostar nesse espetáculo é uma forma de entender melhor tudo que tem ocorrido.

O Estado se comporta como inimigo da nação, o teatro, que por sua vez é político, não se cala e grita. Há mais de cinco mil anos os artistas resistem, o que explica o desmonte, a perseguição e a censura.

Como Brecht gritou a transformação do homem, após a Segunda Guerra, no teatro do absurdo, aqui hoje, temos companhias de teatro e jovens atores gritando aos quatro ventos todo o repúdio à estupidez que reverbera das lideranças políticas.

“Tempos de Errância” é um espetáculo criado para o presencial, mas migrado e adaptado para o on-line na pandemia. O “Núcleo 2” tinha planos de sair do seu berço, o estado de Minas Gerais, para levar seu trabalho ao Rio, a São Paulo e a outras capitais. Sair da cultura ruralista de Uberlândia faz parte do projeto, que merece alçar voo.

O espetáculo on-line é um trabalho muito bem executado e apreciado. A iluminação colaborou com o excelente áudio visual. O som e a câmera inovaram por intermédio de giros bem elaborados, dando uma dinâmica necessária. O texto convida à reflexão.

Atores da companhia do Teatro Galpão, um dos mais reconhecidos do Brasil, têm se apresentado no Youtube, a atriz Suzana Nascimento por meio da amada personagem “Dona Zaninha” traz mensagens, que tocam os sentimentos.

São “errâncias” injustificáveis do Estado. É possível gritar com as mães, que choram diante da violência incontrolável no Brasil, por filhos que se vão sem que amadureçam, por Brumadinho, Mariana e tantos crimes cometidos contra o meio ambiente e esquecidos, pelas vidas humanas perdidas.

O texto conta a história da cidade colombiana “Remanso de Beltrán”, onde a guerra ao narcotráfico fez uma limpeza étnica, um massacre, extermínio.  E mais uma vez, mães que choram…

O texto foi concebido após um mergulho profundo aos efeitos da violência no México, Espanha e Brasil. A relevância dos objetos cênicos, como as roupas no cenário, que remetem à vida das pessoas, que as usaram.

Como mencionou o grande diretor Amir Haddad, em um trabalho na década de 80, o “Tá na Rua”, roupas podem contar histórias, era essa sua percepção, quando as tomava para os figurinos.

Narciso, o ator principal, foi imenso em sua interpretação, um olhar de fera, que o eleva a excelência cênica. A juventude do ator Guilherme Conrado faz nascer um jogo cênico bem adaptado.

É o teatro político fortemente defendido por artistas brasileiros.

É o teatro da resistência criando uma identidade própria em nossas telas.

O espetáculo conta com o incentivo municipal de Uberlândia. Política federal, estadual e municipal, divergindo para nossa sorte, para o nosso respiro!

O espetáculo esteve em cartaz na última semana de dezembro e estará disponível em janeiro, gratuitamente, pelo canal do Youtube. Temporada até 17 de janeiro de 2021, todos os dias, às 20h.

Fotos Polly Rosa

TEMPOS DE ERRÂNCIA

Curta temporada até 17/1, às 20h.

Duração: 40 minutos

Classificação indicativa: 12 anos

Assista:

https://www.youtube.com/channel/UCY9fxgyko1JawGGD9Mvxi6g