Vai embora, adentrando ruas que só ele enxerga, o vento, quase real, penteia os cabelos e lubrifica os olhos de gato que veem além. Um moleque e sua bicicleta é a vida que o mundo precisa.
Muitas vezes, se alcança o pedal não chega ao banco. Pedala de pé, como se estivesse andando. Como se a bicicleta fosse parte do corpo. Uma espécie de centauro.
É o presente sem negação. Um cavalo de Tróia desmontado, um cavalinho de pau para marcar o chão de qualquer lugar com a borracha quente do pneu. Para que reinventar a roda?
Eu nunca pedalei pelo bairro onde fui infância. Acima do guidão o que eu via era uma pista livre, uma estrada para o infinito.
Os moleques e suas bicicletas mostram quem vão ser os homens de outros tempos. Há os que lavam a magrela todos os dias, os que usam copos nas rodas para fazer barulho e chamar a atenção, os que gostam de correr. Os que preferem frear. Têm, também, os decididos a descer ladeira. A vida não tem descanso.
A alucinação palpável do saco batendo no quadro, a dor da queda que dura ardidos dias. A gente tenta aprender a não cair. É difícil, mas a gente tenta. Marcha pesada, marcha leve.
Vão embora, todos aqueles moleques com suas bicicletas. Parecem todos iguais, no entanto, cada um é um caminho. Foi-se o tempo das rodinhas. Veículos individuais.
Tenho muitas memórias de quando eu era o moleque e sua bicicleta. Mas a maior parte delas nem aconteceu. Pelo menos não para quem não estava na minha garupa.