Há tempos não me interesso por recomendações da Netflix, algumas vezes até me questiono de onde o algoritmo tira a ideia de que eu poderia gostar de determinado conteúdo — talvez de um passado remoto — o fato é que mudei, passei a consumir conteúdos de outras plataformas, a questionar a forma literal de muitos de seus filmes e documentários, como se fôssemos todos carentes de múltiplas explicações para chegarmos a uma conclusão. Confesso que ainda entro para bisbilhotar o que há de novo, se incluíram algum título interessante. Recentemente, percebi que uma dessas recomendações figurou por dias em alta, estou falando do documentário “O dilema das redes”. Alguns amigos já o tinham visto e me recomendaram. Li a sinopse e conclui que poderia ser uma versão piorada de “Privacidade hackeada”. Desisti de ver. Nos dias seguintes o título passou a circular nas conversas durante as aulas, como recomendação dos professores. Bem, se antes me faltavam motivos para assistir, agora tornara-se quase uma obrigatoriedade.
Sem mais delongas, confirmei minhas suspeitas, terminei de assisti-lo sem ter sofrido o tal impacto que todos ao meu redor estavam falando. No fundo, fiquei incomodada, alguma coisa estava errada com aquela narrativa. Não, eu não estou me referindo à tosquice da manipulação literal de um dos jovens por três cientistas malvados – o que verdadeiramente me incomodou foi a maneira alarmista que o problema foi apresentado e a solução simplista dado a ele: deletem suas contas, desativem as notificações, estejam alertas! É isso. Sério? Todas aquelas pessoas não têm dúvidas que as redes criaram um monstro e esse está devorando nossa sociedade, desvirtuando os jovens, polarizando pessoas, disseminando discursos de ódio e fake news? Parece que todos que participaram do documentário concordam que o grande vilão do nosso tempo é a rede. Quanto a isso não consigo deixar de pensar na citação de Voltaire: “A dúvida não é uma condição agradável, mas a certeza é absurda. ”
Num artigo da “The Verge”, um esforço multimídia, que examina como a tecnologia muda a vida do público, a jornalista Adi Robertson escreveu:
“A Internet aumenta, acelera e automatiza mídias mais antigas de uma forma que apresenta problemas únicos. Mas faz com que o antigo status quo pareça pior, não melhor. O rádio, a televisão e os livros têm propagado a desinformação durante anos, com pouco mais do que olhares afetuosos do público. Canais a cabo dedicados à ciência, história ou “realidade” estão repletos de pseudociência, engano e conspiração. As redes sociais modernas ampliaram todas as piores partes da cultura existente. Consertar isso não pode simplesmente significar condenar o Facebook. Em vez disso, temos que tratá-lo como parte de um problema muito maior. E o mais importante, precisamos imaginar o que vem depois.”
O desenvolvimento tecnológico, que estamos vivenciando nas últimas décadas, trouxe inúmeros benefícios para a sociedade, no entanto, só recentemente começamos a ter ciência de que grandes empresas de tecnologia, principalmente àquelas ligadas às redes sociais, descobriram a importância dos dados de seus usuários, que ao entrarem e interagirem em suas plataformas deixam um rastro de informações, que nas mãos erradas, podem causar grandes estragos. Neste ponto, documentários como “O dilema das redes”, ajudam na tomada de consciência sobre o que está acontecendo por trás dos aparentemente inofensivos “likes”, mesmo não escolhendo a melhor forma de narrativa – na minha opinião – ele assume um papel didático, e talvez, para a maioria dos espectadores, essa tenha sido uma escolha acertada. Mas não podemos ficar apenas com o alarme, devemos pensar em formas verdadeiramente eficazes para lidar com o problema, como disse Adi Robertson, não se trata de uma novidade, o que há de novo é a velocidade da propagação de uma desinformação, que segundo o documentário, se propaga 6 vezes mais rápido que uma notícia correta.
A solução não pode estar exclusivamente nas mãos dos usuários, as grandes empresas como Facebook, Twitter e YouTube devem ser cada vez mais cobradas por suas políticas de proteção de dados, punidas com rigor quando comprovadas falhas, seguindo o exemplo da comissão francesa de proteção de dados, que no ano passado multou o Google em € 50 milhões (R$ 214,2 milhões) por não informar claramente sua política de uso de dados pessoais.
Por último, este é um assunto que deve ser discutido nos lares, não apenas quando já se instaurou o problema como vimos na família fictícia do documentário, mas antes, de forma preventiva, desde a mais tenra idade. As escolas podem e devem fomentar debates, prover conteúdos complementares, que levam a reflexões. Por quê não ter uma matéria sobre educação digital? Todas essas medidas podem ajudar no processo de autoconhecimento, no desenvolvimento de uma postura mais consciente, preparando cidadãos para lidarem com possíveis violações de suas autonomias.
No final, o dilema não é só das redes, e a solução está longe de ser algo simples como um clique.