Mesmo após as medidas de flexibilização do isolamento social no Rio de Janeiro, o tal “novo normal”, eu ainda tenho ficado mais em casa. E, acima de tudo, não indo para locais com aglomerações. Mesmo com muitas saudades do bar, o que faço é o básico. O óbvio. O mínimo. Contudo, para respirar e ver o mundo além da janela, fiz uma trilha outro dia. Com dois amigos, todos de máscaras, subi para a Pedra do Quilombo, no Parque da Pedra Branca, pela entrada do Pau da Fome, Zona Oeste do Rio.
No caminho, passamos por um sítio que um amigo nosso toma conta. Só para dar um oi. Esse amigo está morando lá há oito meses. Só vem à “cidade” para resolver problemas e volta. Porque lá em cima o que ele menos tem são problemas. Está plantando, criando bichos, nem luz elétrica tem. A paz na terra, amém.
Após esse alô (que foi de longe, já que o amigo está em sua quarentena verde), seguimos para a Pedra do Quilombo, um dos pontos mais altos da cidade do Rio de Janeiro. Lá de cima se vê até a Baía da Guanabara. A Pedra fica uns vinte minutos mais para cima de onde esse meu amigo está vivendo – no sentido profundo do verbo viver.
Digo que é no sentido profundo do verbo apoiado na ideia arcadista. A principal característica do Arcadismo, escola literária nascida na Europa no século XVIII, é a exaltação da natureza e de tudo o que lhe diz respeito.
Desde o início dessa loucura devastadora causada pelo Coronavírius, muita gente que conheço considerou a ideia de se isolar de tudo no mato, em uma praia deserta, enfim, fugir das grandes cidades para viver em contato intenso com a natureza. Durante a pandemia #SomosTodosArcadistas. Todo mundo queria uma casa no campo para ter a certeza dos limites do corpo e nada mais, como na música de Zé Rodrix e Tavito, enraizada na voz de Elis Regina.
Enquanto subíamos para a Pedra do Quilombo, me lembrei de outra trilha que fiz com esses amigos, quando conheci um coroa que também morava no mato, com o básico do básico, mesmo estando em uma das mais famosas cidades do mundo: o Rio de Janeiro sem porteira.
Sr Manoel, que também tem um sítio no mesmo território correspondente ao Parque da Pedra Branca, vive na maior tranquilidade, criando seus animais, plantando, tocando violão na rede, ouvindo os pássaros e tomando cachaça. Essa é a vida que pedi a Deus. E talvez seja a forma de vida mais próxima de qualquer deus.
Manoel, sacana, depois de algumas doses, disse que era um “velho anormal”. Que poderia estar na cidade, curtindo a aposentadoria, convivendo com outras pessoas, gastando nesse mundo gasto as economias de dinheiro e dos dias, mas que preferia estar ali, no meio do mato. Tomando banho de cachoeira e pegando fruta do pé — muitas vezes para balancear o sabor da pinga.
O coroa gente boa e boa vida disse que era um “velho anormal” no início do ano passado. Hoje, faz todo sentido. Eu quero é viver no conceito do Velho Anormal, longe de tudo isso de ruim que temos nas grandes cidades — inclusive do insuportável novo normal.