Conta-se que um conhecido de Olavo Bilac teria tido necessidade de vender um sítio, que só lhe gerava gastos, e teria pedido ajuda ao poeta, para redigir o anúncio. Ele, que conhecia a propriedade, a descreveu como um lugar tão agradável, sossegado, aconchegante e bonito, que o dono desistiu da venda.
Não obtive informação suficiente para saber se esse fato, realmente, aconteceu. Mas, como todo mito, o mais importante é a mensagem que passa, a famosa “moral da história”, sem necessidade de provas, já que não se relaciona a nada material e, sim, aos abstratos: valores, prioridades, planos e sonhos.
A ideia é perceber que, quando outras pessoas emprestam seu olhar, podemos ver as coisas e, até mesmo nossa própria vida, sob outro prisma. Para o outro, ainda existe o encanto, o frescor e a novidade, que podem já não existir para nós. Por meio dele, podemos ver novamente, um brilho que havia nos escapado.
É lamentável não conseguirmos sustentar nossa impressão sobre as coisas, principalmente, no que tange a valorização do que temos e vivemos. Mas é importante entender que essa constante inquietação é, também, o que nos impele a amadurecer e aprimorar. Uma característica da condição humana.
Os gregos diziam que a humanidade foi a última criação de Zeus, mas depois de criar o mundo, faltou barro para finalizar sua obra. E ela não teve memória suficiente para ser plenamente consciente. Assim, criou as musas, para que pudessem ativar sua lembrança e lucidez, sempre que estivessem em contato.
Inacabados, precisamos do outro para nos ajudar quando nascemos e quando morremos, mas temos a ilusão de que, nesse hiato, fazemos tudo sozinhos. Ledo engano… O PHD em astrofísica sabe tudo de buraco negro, mas precisa de ajuda para exterminar cupins, comprar um celular, ou um presente para a filha.
Ninguém sabe tudo sobre tudo. Embora, a analogia nos permita usar nosso conhecimento prévio para compreender e resolver situações que, muitas vezes, não tínhamos, sequer, ideia da existência. Entender como lidar com elas, nem sempre, é saber, de fato, como e porque se dão.
Quem nos ajuda a ver o que não vemos, a perceber que a vida está muito pesada, que não estamos dando valor ao que importa, que nos empresta seu olhar, sua sensibilidade e empatia, se colocando no lugar do outro, interpretando outras vidas, nos oferecendo outros pontos de vista é – o artista.
Ele é o porta-voz da musa. Alguém que teve vocação, recebeu o chamado, seguiu o instinto, se encontrou e foi reconhecido como tal. Não escolheu viver da arte, mas aceitou viver para ela. O resto aconteceu em decorrência disso. A relação verdadeira entre arte e artista independe de profissão, carreira e público.
Um grande astro, muito famoso, pode ser, meramente, alguém com muita técnica e vazio de arte. Arte é expressão e pouco importa se é vendável ou não. Alguns astros são artistas, mas, para se vislumbrar o que é arte, é necessário ter certeza de que nem todo artista é um astro ou gostaria de ser um.
Muitos artistas se desenvolvem e elevam seu trabalho a níveis sublimes. Mas essa não é a realidade da maioria. Nem precisa ser. A arte é uma necessidade de todos, não carece de uma elite que a represente, nem de intelectos para ser compreendida. Ela, simplesmente, acontece e se adapta a cada contexto.
O artista é alguém que precisa compartilhar o que sente, por isso pinta, compõe, escreve, canta, toca, interpreta, dança… Se não o fizer, passa mal, precisa descarregar. Sua percepção é sensível aos dilemas que o cercam e, também, a questões levantadas por outros artistas e sua leitura pode se influenciar por ela.
A sensibilidade às diversas influências faz com que exista uma variação enorme entre os prismas de artistas diferentes sobre um mesmo assunto. Longe de ser uma incoerência, isso apenas reforça o fato de que a verdade é, sempre, maior ou, ao menos, diferente, do que a soma de todos os pontos de vista.
Cada um traz consigo a afirmação ou a negação de suas experiências. Isso não determina, mas influencia cada construção. Existe outro conto que diz, que quando esbarram na gente, derramamos o que trazemos dentro de nós. Como diria um bordão popular: “Cada um dá o que tem”.
A quarentena pelo COVID-19 tem sido um momento singular. Onde percebemos com muita clareza o quanto a ciência e a arte são importantes. Quando iríamos imaginar? Nós, seres racionais e superiores, que subjugamos todo o planeta, que ficaríamos presos, com medo, quase em estado de guerra, contra um vírus?
Que essa situação, tal qual a arte, possa nos fazer pensar nas mudanças que têm que acontecer, principalmente, dentro de nós. Rever conceitos, paradigmas, revisitar valores e perceber que o mais simples e importante, sempre esteve ao alcance dos olhos, sejam nossos amores, nossa casa, ou as paisagens de nosso dia a dia. Mas isso, nem precisava ser dito… Afinal, até uma criancinha sabe.
Um abraço e até a próxima! Usem máscaras!
Paz!