Sobre temáticas e personalidades incômodas

Invisibilidade transformou-se na mais detestada condição do ser humano na Era da Ostentação. Contra essa corrente, há cinco anos a jornalista Tania Celidônio lançou o livro digital Mistérios da libido na velhice, trazendo revelações sobre a vida sexual de 250 pessoas com idades entre 60 e 82 anos. Com a pandemia, o livro foi base da peça online Só acaba quando termina – Crônicas do desejo na Velhice, que, junto com a pesquisa e mais outros textos baseados nas declarações dos entrevistados, está em Mistérios e Aflições da sexualidade na velhice (Terra Redonda, R$ 86).  

Se a discrição é característica de poucos, atualmente, mas exigida aos “mais velhos”, não por escolha dos idosos. A prática da sexualidade estaria restrita à idade reprodutiva na representação artística. Ao falar abertamente sobre sexo na velhice, os entrevistados reconhecem a redução da libido, mas não a do apego, do carinho e da capacidade de se relacionar fisicamente com outras pessoas. A maior dificuldade está em se aproximar de desconhecidos devido à ausência de continuidade na prática da interação social amorosa, dizem alguns dos ouvidos na pesquisa.

Outro tema incômodo para conversas é o mote da historiadora Marilia Pacheco Fiorillo em Kalash, meu amor (Gryphus, R$ 55). O título é uma ironia que pode passar em branco para o leitor brasileiro, já que no país há poucas referências à metralhadora AK-47 pelo apelido que reduz o nome de seu criador, o russo Mikhail Kalashikov. A simplicidade de fabricação da arma e seu alto grau de resistência tornaram-na popular no mundo inteiro. Hoje, ela é produzida em diversos países e se estima que haja 100 milhões de exemplares da metralhadora espalhados pelo planeta. A presença da arma em diversos ambientes, incluindo réplicas em joias para ornar mulheres ricas, é o ponto de partida da autora para discutir o conceito de banalidade do mal na atualidade. Crianças-soldados armadas com AK-47 na Somália, uso da arma para abater elefantes, balas perdidas que matam crianças nas favelas brasileiras inundam os noticiários, sem comover quem lê essas notícias. A trivialização da violência torna a crueldade natural, contando com a indiferença dos formadores de opinião, que veem na luminária em forma de Kalash assinada por um designer famoso um protesto sarcástico contra a agressividade na sociedade — o que Marília questiona.

Uma mulher da alta sociedade carioca que não se conformou com a função de ser musa inspiradora de admiradores diversos, nem suportou um casamento infeliz, decidiu abraçar uma carreira artística, sem contar com o apoio de seus pares. Assim era Violeta (“Bebê”) Castro Lima, retratada pelo cravista Marcelo Fagerlande em Muito além dos salões: Bebê Lima e Castro, musa do Rio em 1900 (7Letras, R$ 60). De família riquíssima, ela tentou firmar-se como cantora lírica, depois de se separar do marido. Não obteve sucesso, recolheu-se na maturidade, e, sem herdeiros, deixou imóveis, automóveis e joias para amigos, empregados e instituições diversas. O amor de Bebê pela música acabou ligando sua história à de Marcelo Fagerlande, cuja família herdou um anel de brilhantes da socialite. Com a venda do anel, ele pôde trazer um cravo da Alemanha, ao voltar para o Brasil, nos anos 1980, depois de acabar seus estudos na Escola Superior de Música de Stuttgart. O episódio é mencionado discretamente na introdução do livro, que é totalmente dedicado a trazer luz sobre uma celebridade da Belle Époque na Paris Tropical.