Há quem pense que os influenciadores digitais vivem de sorrir para as imagens que publicam na Internet. Emmy Jackson, a protagonista de A influencer (Intrínseca, R$ 59,90) descobre que o caminho para se firmar no oceano virtual é árduo e exige empenho profissional. Romance de estreia de Ellery Lloyd, pseudônimo do casal Collette Lyons e Paul Vlitos, o thriller se junta a outros títulos ficcionais que criticam o artificialismo escamoteado em testemunho da vida real na contemporaneidade.
A trama se desenrola pelas narrativas de Emmy, de seu marido e de uma seguidora da influenciadora que busca a casa onde a família mora. Mãe de duas crianças pequenas que nunca deram grande trabalho, ela conta com um marido participativo para cuidar da casa e dos filhos, além de uma faxineira para a limpeza pesada. Ao perceber que exaltar a felicidade não trazia visualizações suficientes em seu blog para chamar a atenção de patrocinadores, Emmy começa a abordar temas como cansaço materno e a necessidade de uma rede de apoio para as mães. Conquistado o público, contrata uma agente que negocia patrocínios. E passa a desarrumar a casa sempre que dá entrevistas para revistas sobre sua vida imperfeita.
Enquanto outros romances como Adultos (Intrínseca, R$ 29,90) assumem tons mais satíricos em relação à falsidade das redes sociais, A influencer não tem qualquer humor. O suspense é apresentado no prólogo, embora não empolgue tanto quanto as observações do casal sobre a vida num lar que sobrevive da mentira. Emmy trabalha exaustivamente, tendo horários para publicar o material na Web, enquanto o marido não consegue levar adiante um projeto literário, já que é o encarregado de abrir a porta para repórteres e entregadores de produtos anunciados por sua mulher no Instagram. Os dias de programas sofisticados e paixão ficaram para trás e o sucesso da influenciadora depende de esforço intenso, o que pode abalar a estrutura da relação entre os dois. Paira como maior perigo o cerco da seguidora, que promete se vingar de algum episódio a ser revelado ao longo da narrativa.
Em entrevistas, os autores se dizem cautelosos quanto à exposição de sua família e que se veem como Nick e Nora Charles, o casal de protagonistas de O homem magro (Companhia das Letras, R$ 55), um clássico policial de Dashiell Hammett, o escritor norte-americano que se negou a denunciar esquerdistas que trabalhavam na indústria cinematográfica nos anos 1950, sendo preso e banido de Hollywood. Paradoxalmente, Collette Lyons e Paul Vlitos apontam como seus heróis fora da ficção o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky e sua mulher Olena, pela “extraordinária e inspiradora bravura e coragem”.
Coragem e inspiradora bravura demonstrou Hammett a vida inteira. Não fazia militância política na literatura, porém a desigualdade social estava em muitas de suas criações. Sem seguir fórmulas de escrita criativa, que hoje norteiam boa parte do mercado editorial, transformou-se em referência das novelas de mistério. Conhecia os ambientes e as atividades de seus personagens a fundo. Abandonou os estudos na adolescência, trabalhou como entregador de jornais, estivador e detetive da Agência Pinkerton. Tuberculoso crônico, alcoólatra, passou a escrever. Elegante e sarcástico, deu um novo sabor a histórias envolvendo homens durões, mulheres fatais, pobreza, cobiça e desejo, em situações sórdidas ou simplesmente realistas.
Certamente Hammet teria horror à autoexposição, mas acharia pitoresca a placa num beco da Burrit Street, em São Francisco, na Califórnia, que informa : “Aproximadamente neste local, Miles Archer, sócio de Sam Spade, foi liquidado por Brigid O’Shaughnessy”. Archer, Spade e Brigid saíram da brilhante mente de Hammett para as páginas de O falcão maltês (L&PM, R$ 44,90), seu título mais conhecido, talvez pela excelente adaptação cinematográfica assinada por John Houston. Um raro caso em que a ficção vira parte da vida real.