Sobre fama, crimes e jornalismo

Um fã ardoroso, um profissional bem-sucedido, um privilegiado que conseguiu se aproximar de seu objeto de devoção apaixonada. Essas definições são algumas que cabem no jornalista Carlos Jardim. Antes de enveredar pelo ofício de bisbilhotar a vida alheia, Jardim se entregava de coração à pesquisa para chegar bem perto da cantora Maria Bethânia, para ele, mais do que ídolo e ícone da MPB, uma paixão. Essa aproximação, ao longo de 40 anos, é contada no saboroso Ninguém sabe quem sou eu (a Bethânia agora sabe!) – As loucuras de um fã para conquistar sua diva (Máquina de Livros, R$ 42,90).

O título é longo, o texto, sucinto. Embora entusiasmado por sua musa, Carlos Jardim sabe lembrar com muito humor as primeiras visitas aos camarins da cantora, nos anos 1970/80, uma época em que o star system  ainda não impregnava os artistas brasileiros. Adolescente, chegou a carregar para casa as estrelinhas de marcação cenográfica de shows de Bethânia. Com humor, Jardim fala da evolução da amizade sem intimidade, mas sincera, que muitas vezes liga jornalistas a entrevistados.  Tanto carinho e devoção rendeu frutos: além da bem-sucedida carreira em televisão, ele dirigiu um documentário sobre Maria Bethânia.

Também da Máquina de Livros, editora que só publica livros assinados por jornalistas, vem Como girei a roda: Bastidores e intrigas do Roda Viva revelados por um de seus apresentadores (R$ 45,90), de Ricardo Lessa, que foi âncora do programa da TV Cultura de São Paulo de abril de 2018 a julho de 2019. Para jornalistas, o livro tem um sabor especial ao contar que um dos mais relevantes programas de entrevistas brasileiro não tinha reunião de pauta. Os entrevistados eram definidos pela direção da emissora, muitas vezes, enquanto o âncora e editor atropelava os superiores, buscando entrevistadores cujas orientações ideológicas nem sempre se coadunavam com as dos chefes. Num momento extremamente complicado da vida política do país, com a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, Lessa tentava apresentar questionamentos à audiência, levando ao programa os principais candidatos à Presidência da República de então.

Jornalistas especializados em cobertura policial do mundo inteiro invejam o romancista Truman Capote por ter iniciado e talvez criado a maior obra do que se classifica como Jornalismo Literário com A sangue frio (Companhia das Letras, R$ 42,90), um livro-reportagem sobre o assassinato de uma família no Kansas, em 1959. Publicada em quatro partes na revista The New Yorker, seis anos mais tarde, a história da chacina e dos assassinos transformou Capote em autor best-seller. Desde então, não faltam jornalistas querendo repetir o feito, como Charles Graeber, autor de O enfermeiro da noite (Intrínseca, R$ 69,90), que chegou a ser indicado ao Edgar por sua reconstituição dos crimes cometidos pelo enfermeiro Charles Cullen, um dos maiores serial killers dos Estados Unidos. Ao longo de 16 anos, Cullen envenenou em torno de 40 pacientes em diferentes hospitais, dos quais saía ou era demitido sempre que surgiam suspeitas sobre sua conduta, sem qualquer registro policial, já que as instituições preferiam proteger suas reputações a investigar os crimes. Graeber chegou a recriar dispensáveis diálogos entre os personagens, numa narrativa ágil e impressionante, que foi adaptada para filme da Netflix, com Eddie Redmayne encarnando Cullen, cujos homicídios podem chegar a centenas — ainda em investigação.

Irresistível é o texto enxuto e primoroso de O plano Flordelis: Bíblia, filhos e sangue  (Intrínseca, R$ 69,90), em que a jornalista Vera Araújo detalha a trajetória da ex-deputada federal Flordelis dos Santos de Souza, que perdeu o mandato ao ser indiciada pelo assassinato de seu marido, Anderson do Carmo. Autoproclamados pastores de uma igreja ligada à Assembleia de Deus, o casal fez fama por darem casa a dezenas de crianças, algumas adotadas legalmente, a maioria só abrigada com a família. O próprio Anderson foi uma dessas crianças, passando, na maioridade, de quase genro (teve um breve namoro com a filha biológica de Flordelis) a marido da pastora. Ele articulou todas as etapas da carreira profissional da mulher, que se tornou cantora depois de ficar famosa pelo acolhimento dos menores e profecias. Com quatro filhos condenados por participação no crime, a ex-parlamentar será julgada até o fim do ano. A macabra história tem tudo para virar filme.