Muitos artistas norte-americanos se declaram viciados em analgésicos, o que, no Brasil, é normalmente interpretado como um eufemismo para a dependência de drogas proibidas. O império da dor (Intrínseca, R$ 99,90), do jornalista Patrick Redden Keefe, comprova numericamente a veracidade da adição a opioides, causa da morte de cerca de 450 mil pessoas nos EUA, desde o lançamento do OxyContin, um analgésico extremamente viciante, no fim dos anos 1990.
Keefe levou cinco anos fazendo em torno de 200 entrevistas, além de uma pesquisa minuciosa para relatar, em mais de 500 páginas, a saga da família Sackler, proprietária da Pardue, fabricante de medicamentos, entre eles o OxyContin. Os irmãos Arthur, Raymond e Mortimer Sackler, descendentes de imigrantes judeus, conquistaram notoriedade, nos anos 1940, por preferirem o uso de medicação a pacientes psiquiátricos do que a então muito difundida prática da lobotomia – cirurgia que praticamente transforma o operado em um zumbi. Antes de serem proprietários de uma indústria farmacêutica, Arthur Sacler, um gênio em marketing, foi o responsável pelas campanhas agressivas que popularizaram o tranquilizante Valium, uma técnica aproveitada por seu sobrinho Richard para a distribuição do OxyContin.
Na composição do OxyContin estava a substância oxicodona, retirada do mercado em 1990 por provocar dependência química. No entanto, o remédio era anunciado com o slogan “Menos de 1% viciante”. E por que as autoridades de saúde dos EUA permitiram a comercialização do medicamento? Além da garantia do fabricante de que a oxidocona era liberada lentamente e em pequenas doses no organismo, reduzindo riscos de causar vício, os profissionais que prescreviam a droga eram convencidos ao ganharem todo tipo de brinde – festas, jantares e viagens entre eles.
O uso do OxyContin foi associado à principal causa de morte acidental no país, ultrapassando óbitos por acidentes de carro ou causados por armas de fogo. Segundo Patrick Radden Keefe, mais americanos perderam a vida por overdose do opioide do que em todas as guerras das quais o país participou desde a Segunda Guerra Mundial.
A brilhante reportagem estendida de Patrick Radden Keefe aponta ao leitor mais do que a ganância de uma família que conheceu a pobreza e cumpriu o sonho americano de alcançar a riqueza pela dita meritocracia. Os irmãos Sackler eram profissionais dedicados, que mostravam compaixão por seus pacientes, a ponto de conseguirem reduzir as aplicações de violentíssimos tratamentos de choques elétricos nos doentes. Paralelamente, o chefe do clã, o inteligentíssimo Arthur, era vaidoso das conquistas nos negócios e queria a admiração do mundo das artes, quando oferecia valiosas peças às instituições.
As revelações sobre os efeitos colaterais do OxyContin levaram ao que hoje seria considerado o ‘cancelamento’ da família Sackler. Mecenas das artes, eles faziam doações de preciosas coleções a museus norte-americanos. O escândalo do opioide superou seus feitos filantrópicos, depois de um movimento encabeçado pela fotógrafa Nan Goldin, ela mesmo uma viciada na droga que rendeu aos Sackler US$ 35 bilhões. Ao lado de outros artistas, ela fazia protesto em frente ou dentro de museus. O nome da família foi retirado de salas e espaços do Metropolitan, Guggenheim, National Gallery, Louvre e Tate, entre outros.