Para os dias frios

Começou o inverno nos trópicos, o que nem sempre garante temperatura baixas em alguns cantos. E como pregou Djavan, nos dias frios, bom mesmo é encontrar um bom lugar para ler um livro. Para combinar com a temporada das férias do meio do ano, aqui vão algumas leituras que esquentam a estação.

Margaret Atwood virou moda no Brasil depois da telessérie baseada em seu Conto da aia. Quando não está criando ficção, a autora canadense é uma respeitada conferencista, com análises brilhantes sobre literatura, meio ambiente, política, feminismo e outros temas reunidos em Questões incendiárias – Ensaios e outros escritos (Rocco, R$ 101). São mais de cinquenta textos escritos entre 2004 e 20021, analisando o mundo contemporâneo, seus dilemas, dramas e saídas para as tragédias anunciadas, prementes no século XXI. A desigualdade socioeconômica, o conceito de democracia, o totalitarismo e a urgência para minimizar a crise climática são esquadrinhados ao lado da modernidade de Charles Dickens, a admiração pela conterrânea Alice Munro e o fenômeno da Annemania, surgido depois que o romance Anne de Green Gables virou série de televisão, encantando multidões. Atwood sabe, como poucos, tratar das contradições e da esperança na modernidade.

Com Duas vidas (Ayiné, R$ 33), Emanuele Trevi ganhou o Strega, a principal premiação literária italiana, de 2021, com um belo ensaio sobre os amigos Rocco Carbone e Pia Pera, ambos escritores, que morreram prematuramente. Todos se conheceram na juventude, construíram carreiras sólidas e mantiveram-se relativamente próximos, apesar de divergirem, como é comum entre os que privam de convivência intensa. Nessas memórias com raras lamentações, a amizade se impõe à saudade.

Com apresentação repleta de elogios do celebrado Marlon James, Histórias selecionadas (Intrínseca, R$ 97) reúne 52 textos, entre contos e trechos de romances, de Neil Gaiman, o cultuado criador de uma consistente obra de fantasia em 40 anos de carreira. No simpático prefácio, Gaiman explica sua dificuldade em definir-se como autor de um só gênero literário que, apesar da popularidade, permanece desconhecido para os taxistas com quem conversa ao se dirigir para algum destino. Apenas um, entre tantos, lhe pediu um autógrafo e o abraçou (“Foi uma anomalia”, diz Gaiman”). Os textos escolhidos por votação de leitores seguem ordem de publicação, oferecendo uma ampla visão sobre a evolução e a abrangência do trabalho do autor.

O título bastante descritivo de O primeiro golpe do Brasil – Como D. Pedro I fechou a Constituinte, prolongou o escravismo e agravou a desigualdade entre nós (Máquina de Livros, R$ 59), do jornalista Ricardo Lessa, pode abalar quem nutre uma imagem romântica do primeiro imperador brasileiro. Afinal, diferente de outros países latino-americanos, o Brasil sempre teve um olhar carinhoso para a monarquia portuguesa, embora nem tanto em relação aos colonizadores. Enquanto no restante da América Latina, as lutas pela independência foram lideradas por nativos – ainda que miscigenados e descendentes de espanhóis -, o corte de laços com Portugal coube, no Brasil, a um português, que em 1823, fechou a primeira Assembleia Constituinte da jovem nação. A trajetória do príncipe que teria encarnado o espírito boêmio brasileiro é revista por Lessa com severidade. Nem Pedro gritou “Independência ou morte” – frase copiada de um movimento político no México, 12 anos antes –, nem o Ipiranga tinha margens plácidas – é um riacho com corredeiras, lembra o autor. O Pedro jovial e mulherengo dá lugar a um autoritário que deixou o Império – e um filho de apenas cinco anos em seu lugar – para defender a manutenção da coroa em mãos de sua filha, Maria da Glória, cujo marido e tio, Miguel, lutou para derrubar do trono. Para Ricardo Lessa, o retorno a Portugal fez de Pedro herói em sua terra natal, mas não no país onde se criou e no qual se fez soberano.