O amor na masculinidade contemporânea

Um mergulho na mente do homem contemporâneo, expatriado, pós-ditaduras latino-americanas, filho da classe média convencional que abraça a carreira arriscada na literatura, com seu olhar atônito e apaixonado pela literatura e pelo amor juvenil, Poeta chileno (Companhia das Letras, R$ 60), romance de Alejandro Zambra, é uma narrativa eminentemente apaixonada. As nuances desse homem que se contrapõe ao estereótipo do macho latino são detalhadas em cada página com declarações de amor ao romantismo, à paternidade em moldes contemporâneos e à poesia, um traço nacional para os chilenos como o futebol para os brasileiros.

Geralmente sintético em suas obras, Zambra estende-se nessa narrativa sobre as angústias existenciais de Gonzalo, que reencontra e vai viver com Carla, a primeira namorada e o filho dela, Vicente, seu “hijoastro”, por quem nutre profundo afeto. Assume informalmente a paternidade do menino, depois de entender que povos originários do Chile consideram a figura paterna qualquer um que se relacione à criança: o vínculo biológico só existe com a mãe.

A desvalorização da paternidade se impõem a esse homem dos novos tempos através de personagens intensos, ainda que de pequena participação na trama. Um deles é o avô materno de Gonzalo. O velho Safadão não criou seus mais de vinte filhos, mas consegue reunir ao necessitar de recursos para um tratamento médico. Outro pai displicente é o de Vicente, Leon, que só vê o filho a cada quinze dias. A paternidade física se rompe quando o bebê de Carla e Gonzalo morre no ventre da mãe.

Pequenos detalhes desvendam as dúvidas do protagonista de metade do romance. Gonzalo, poeta de recursos criativos limitados, abraçou o magistério como forma de sobrevivência, mas transmite ao menino a paixão pela literatura. A família se separa na metade do livro, quando Gonzalo ganha uma bolsa de estudos nos Estados Unidos. Vicente torna-se, então, o personagem principal, apaixonado por um jornalista norte-americana, Pru, que vai ao Chile entrevistar diversos poetas. A trama é invadida, então, por escritores reais, como o idoso Nicanor Parra, e outros completamente fictícios, entre eles, Hernaldo Bravo, que criou uma editora graças à indenização recebida quando atropelado por um playboy, a jovem mapuche que se divide entre composições musicais e poemas (“Quando rima é hip-hop, quando não rima é poesia”, explica), Aurélia Bala, ambidestra que defende o aprendizado do uso equânime das duas mãos para ampliar as possibilidades criativas, e Bernadita Socorro, orgulhosa por haver ensinado a seus filhinhos gêmeos de dois anos a “chorar baixinho”.

A declaração de amor à literatura é superada quando, no retorno ao Chile, depois de seis anos no exterior, Gonzalo quer recuperar a relação com Vicente, que não entrou para a faculdade a fim de se tornar poeta. São muitos os estranhos homens que povoam as vidas de Gonzalo e Vicente, formando um painel de formação pessoal e profissional comum, fortalecido por uma convivência episódica que se fragmenta pela lealdade a Carla. O descontrole sobre vidas que teriam destinos traçados antes da crueldade da ditadura não chega a ser mencionado, mas é nas rupturas que os personagens se constroem. A fantasia masculina da bissexualidade feminina se apresenta nas mulheres que povoam os sonhos e a realidade de Gonzalo e Vicente. São mulheres da contemporaneidade, prontas à fluidez da sexualidade, apêndices na grande história de amor entre Gonzalo e Vicente, dois homens cujo cotidiano impediu de desenvolver a melhor das relações afetivas: o amor escolhido de pai e filho. E esse amor não declarado, não tão óbvio é derramado em beleza lírica que hipnotiza o leitor. Envolvente, terno e forte como os grandes amores.