No mês das mulheres, leiam mulheres!

A cada 8 de março, o noticiário dá ênfase à desigualdade de gênero e à violência contra a mulher. Fala-se em machismo, na raríssima divisão das tarefas domésticas, nos salários quase sempre inferiores aos dos homens, nas raras mulheres em cargos de chefia e nas que são influentes e famosas, seja por talento, beleza ou poder político e/ou econômico. Também se fala de mulheres artistas, claro, ressaltando o pequeno número das que se destacam nas artes em geral. E vem o clamor para que prestigiar escritoras, lendo mais mulheres.

Há muito tempo sei que leio mais textos de mulheres do que de homens, embora continue honrando os rapazes. Mas a literatura produzida por mulheres traz identificação igual à experimentada na conversa com desconhecidos na rua. É um encontro com pontos comuns de papel social, levando a uma jornada de autoreconhecimento. E que tem uma universalidade da qual, por muitos séculos, homens se apropriaram (e até fizeram um bom trabalhinho, como bem se jactava Voltaire).

Quando fui revirar os registros do que li em 2022, vi que havia quase um equilíbrio. De 129 títulos lidos, 70 eram assinados por mulheres. É bem verdade que dei para reler Agatha Christie, que teve uma superprodução literária ao longo da vida, então, não me arrisquei tanto assim. Nem computei os textos divididos por homens e mulheres, incluindo um policial. 2022 foi um ano de descobrir autoras como Micheline Verunschk, que levou o Jabuti (merecidíssimo) por O som do rugido da onça (Companhia das Letras, R$ 53,47). Finalmente li o impressionante Suíte Tóquio (Todavia, R$ 64,90), de Giovanna Madalosso, e pude me deliciar com o primeiro thriller para adultos da minha talentosa amiga e editora Rosa Amanda Strausz, A cabeça cortada de Dona Justa (Rocco, RS 49,90), realismo fantástico na mais pura tradição latino-americana – e efetivamente bem brasileiro. Em 2022, também fui apresentada à espanhola Mercè Rodoreda e sua A Praça do Diamante (64,90), e à venezuelana Teresa de la Parra, autora de Memórias de Mamá Blanca (Oficina Raquel, R$ 41,65), dois clássicos discretamente mencionados por aqui.

Quando o movimento Leia Mulheres começou na Inglaterra, em 2013, a campanha tomou o mundo inteiro. No Brasil, em 2017, a escritora Maria Valeria Rezende iniciou o grupo Mulherio das Letras, que hoje reúne mais de 10 mil mulheres escritoras ou ligadas ao mercado editorial brasileiro. A intenção era demonstrar que as mulheres, embora componham, talvez, a maior parte da força de trabalho dessa indústria, e comprovadamente sejam as maiores compradoras de livros, continuam em minoria enquanto autoras da produção literária. Isso vem mudando? E como. Hoje há diversas editoras pequenas que têm privilegiado mulheres escritoras, como a Bazar do Tempo, enquanto muitas das gigantes do setor dedicam selos específicos à temática feminista ou à produção feminina.

Este ano, quinze dos 19 livros que li entre janeiro e fevereiro foram escritos por mulheres. Cinco de Agatha Christie, duas releituras magníficas – Uma breve história dos tratores em ucraniano (Intrínseca, R$ 59,90), de Marina Lewycka, e O caminho que leva à cidade (Primeira Edição, R$ 28,90), de Natalia Ginzburg – e, entre outros, três que hei de reler vida afora: As avós (Companhia das Letras, R$ 34 ), de Doris Lessing, Caderno proibido (Companhia das Letras, R$ 67,92), de Alba de Céspedes, e A casa do pai (Instante, R$ 64,90), de Karmele Jaio.  Os cinco títulos “sérios” que destaquei falam muito além da condição feminina. Tratam de humanidade, dedicação, deveres e da possibilidade de derrubar dogmas arcaicos.

Ler essas histórias de mulheres, incluindo as citadas neste texto todo, é celebrar um calendário de harmonia e igualdade.