Um leitor contumaz sofre com períodos de inapetência literária. E aí dana a ler livros pela metade, folhear, aflito, o que pode despertar novamente o arrebatamento pela leitura. Para piorar a angústia, surgem, nesses momentos, alguns textos magníficos, competindo pela atenção do sobressaltado leitor… Transitando por uma dessas épocas de inquietação, vão aqui algumas de minhas leituras fragmentadas – ou não – atuais.
Pista Negra (L&PM, R$ 54,90), de Antonio Manzini, traz a primeira investigação do arrogante subchefe de Polícia Rocco Schiavone, transferido de Roma para a cidadezinha de Aosta. Perenemente irritado, ele precisa se deslocar até uma estação de esqui, onde um corpo é encontrado estraçalhado, e desvendar os mistérios do lugarejo repleto de pessoas que se conhecem a vida inteira. Único estranho aos costumes locais, Rocco é apoiado por um equipe com tipos peculiares, que ele, a princípio, despreza pelas características provincianas, mas que, aos poucos, passa a respeitar. Qualquer apaixonado por thrillers vê semelhanças no estilo bem-humorado de Manzini com o de Andrea Camilleri, ele próprio um admirador da obra do criador de Schiavone. Para Camilleri, a novela policial de Manzini era um “pretexto para falar brilhantemente sobre a sociedade italiana”. Quase entronizado como herdeiro de Camilleri, Manzini compõe textos bem-ritmados e críticos, que devem ser degustados lentamente ou com sofreguidão – desde que já tenha outro romance protagonizado por Schiavone à espera de leitura.
Lado C – A trajetória musical de Caetano Veloso até a reinvenção com a Banda C (Máquina de Livros, R$ 62,90), dos jornalistas Luiz Felipe Carneiro e Tito Guedes, traz um sopro de jovialidade à comemoração pelos 80 anos do baiano que liderou a Tropicália. Depois de uma (muito) rápida pincelada sobre a carreira de Caetano até 2006, eles levantam a reestruturação dos projetos do músico ao se cercar de rapazes da geração dos filhos mais jovens para renovar suas criações. Em dez anos, o grupo acompanhou Caetano em shows para jovens plateias dos netos de quem se entusiasmou com Alegria, alegria. Sempre em busca de novos movimentos artísticos, Caetano Veloso demonstra a vitalidade digna de um rolling stone, porém trazendo canções inéditas, valorizando as descobertas que faz a partir do convívio com as gerações mais jovens. Para o livro, os autores entrevistaram mais de 40 integrantes dessa história. Além de ouvirem Caetano e os três integrantes da banca Cê – Pedro Sá, Ricardo Dias Gomes e Marcelo Callado –, eles conversaram com Moreno Veloso, Jards Macalé, Vinícius Cantuária, Jaques Morelenbaum e Arto Lindsay, entre outros.
Viver é uma arte – Transformando a dor em palavras (Letramento, R$ 54,90), da atriz Beth Goulart, é uma revisão de seus próprios caminhos a partir do falecimento de sua mãe, Nicette Bruno, a maior estrela de uma família de artistas. Ao contar os processos de aprendizagem de atuação com o pai, Paulo Goulart, e a mãe, sua principal referência pessoal e profissional, Beth lembra a convivência intensa com a família, incluindo a avó, Eleonor Bruno, no dia a dia e nos palcos. Outro aspecto bastante presente nessa mescla de crônicas biográficas, que recordam a vida sem ordem cronológica, é a fé na doutrina espírita, seguida por toda a família.
Vou sumir quando a vela se apagar (Intrínseca, R$ 54,90), estreia em ficção do jornalista Diogo Bercito, aborda a imigração dos libaneses para a São Paulo dos anos 1930. Especialista em cobertura de conflitos no Oriente Médio, Bercito levanta a cultura dos imigrantes que trocam rincões de economia rural pela modernidade da metrópole, na eterna busca pelo pertencimento numa terra estrangeira escolhida como lar.
Mestres do mistério – Crimes quase perfeitos em salas trancadas (Faro Editorial, R$ 39,90) traz cinco deliciosos contos de mestres dos thrillers. Além dos popularíssimos Edgar Allan Poe, Conan Doyle e G. K. Chesterton, há dois textos de Jacques Heath Frutelle e de Willian Wikie Collins, pouco conhecidos no Brasil fora do circuito dos amantes das novelas de mistério. As cinco histórias, selecionadas pelo escritor Victor Bonini, são de “crimes de sala trancada”, ou seja, aqueles casos em que se encontram cadáveres depois de arrombar portas ou janelas hermeticamente fechados. Na vida real, não faltam esses casos que exigem uso de muita lógica para serem desvendados.