“A sorte de ter sido quem sou, de
estar onde estou, não é nada se comparada ao meu maior gol:
sim, acho que fiz um monte de gente feliz.”
Rita Lee
22 de maio, dia de Santa Rita de Cássia, foi a data escolhida pela sempre surpreendente Rita Lee para lançar Outra autobiografia (GloboLivros, R$ 64,90), complemento de Uma autobiografia (GloboLivros, R$ 52,90), publicada em 2016. Faltaram algumas histórias a revelar desde então, como o tratamento contra o câncer que a levou, aos 75 anos, há alguns dias. Iconoclasta e irreverente, a mulher que se firmou no panteão machista do rock nacional se mostrava cada vez mais lúcida ao envelhecer cercada por seu “harém”: o marido há mais de 40 anos, Roberto de Carvalho, e os três filhos, Beto, João e Antônio.
A nova biografia traz na capa a foto da cantora coberta por tecidos coloridos, com as marcas da idade e da doença expressas no rosto. E já é um dos pré-lançamentos mais vendidos pela Internet.
A primeira biografia também voltou a ter as vendas impulsionadas. Resta saber se a mais recente também trará textos soltos sobre diferentes temas, arrumados de maneira a obedecer a alguma cronologia, contando, de forma bem genuína, a vida de uma mulher pouco convencional que, paradoxalmente, conseguiu manter um núcleo familiar bastante tradicional. A geração que cresceu com sua persona se acostumou à vê-la como uma talentosa dependente de drogas, fazendo musiquinha-chiclete boa de dançar. A artista foi isso e mais um pouco. Vendeu milhares de discos, teve um sucesso então inigualável em shows e, sim, fez um bocado de gente feliz dançando pelos anos 80 e 90. Na maturidade, a moleca foi substituída pela velhota maluquete-beleza. Uma autobiografia apresenta uma mulher muito arguta política e pessoalmente, que reconhece a devastação causada pelas drogas e que conseguiu sair da dependência para aproveitar o barato da caretice. Resta esperar o dia da santa de Cássia para os devotos pagãos da beatificada roqueira honrarem, mais uma vez, a bruxa protetora dos inconformados.
Outra mulher que não seguiu um destino previamente traçado, a atriz, fazendeira, vendedora de antiguidades e escritora Eliane Lage relança sua autobiografia Ilhas, veredas e buritis (Gryphus, R$ 66), contando uma vida que parece de “mocinha” de cinema. Nascida em berço de ouro na família Lage, que dominava os transportes marítimos e tinha investimentos diversos Brasil afora, ela morou na Ilha de Santa Cruz, na costa de Niterói, e conviveu com a lendária Gabriella Besanzoni, casada com seu tio, o magnata Henrique Lage. Estrela da Vera Cruz por um período curto, que terminou com a falência da produtora, atirou-se nas mais diversas atividades – foi tradutora e guia de turismo também – para sustentar os três filhos, principalmente depois que as propriedades dos Lage foram encampadas pelo governo Vargas.
As memórias dos tempos de cinema são tão saborosas quanto as da infância, solitária no casarão da ilha, pois a mãe foi viver na Europa e o pai entregou a menina a uma governanta inglesa. Henrique e Gabriella queriam adotar a menina, que também morou no palacete do atual Parque Lage, com os primos por afinidade Arduíno e Marina Colasanti – que cita o livro de Eliane em Vozes de Batalha (Tusquets, R$ 47,90), com suas recordações de infância e juventude ao lado da tia Besanzoni. Muito antes de feminismo se tornar substantivo comum nas conversas brasileiras, Eliane Lage embarcou em aventuras diversas, confiando em seus instintos para cuidar da família. Depois de rodar o mundo, hoje, aos 94 anos, ela mora num casarão centenário em Pirenópolis, no interior de Goiás.
*Esta coluna teve como guias duas mulheres extraordinárias que me deram luz e carinho antes de deixarem o planeta tão precocemente: minhas amigas Eveli Ficher e Consuelo Sanchez. E também uma gatinha, Capitu, que passou por aqui muito rapidinho, só para alegrar nossos corações.
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