Está difícil entender a classificação de gênero no mercado literário. O que já foi chamado de “comercial”, hoje é “entretenimento”. Aparentemente, os rotuladores acreditam que ler seja um ato de profunda reflexão e imersão científico-filosófica, não de escapismo prazeroso. Nas vinte categorias do Prêmio Jabuti deste ano, uma delas junta biografias e reportagens – o que, vamos convir, na maioria das vezes, podem ser abordagens temáticas totalmente diferentes. Há tempos, o mercado internacional criou a categoria Jovens Adultos, englobando desde pré-adolescentes a marmanjos que se envergonham de gostar de livros infanto-juvenis, como a saga de Harry Potter, a trilogia Senhor dos anéis e as Crônicas de gelo e fogo, popularmente conhecidas como Guerra dos tronos.
Todas essas séries poderiam ser enquadradas sob os rótulos comercial ou entretenimento. Movimentam um mercado bilionário de produtos mundo afora, mas não agradam à crítica, embora a literatura ocidental tenha se disseminado a partir de épicos dos ciclos de cavalaria na Europa. É natural que boa parte da produção escrita seja medíocre, porém dificilmente alcançará ou terá a sobrevivência conquistada por autores populares como Stephen King, criador de magistrais histórias aterrorizantes, porém desprezado pelos especialistas em literatura. O mercado, no entanto, se renova em suas adjetivações, tanto que alguns originais de Persépolis (Cia das Letras, R$ 45,90), a autobiografia em quadrinhos da iraniana Marjane Satrapi, foram levados a leilão pela Sotheby’s na última semana de outubro. De 44 pranchas oferecidas, 25 foram arrematadas por 665 mil dólares, que a autora pretende usar para um projeto ainda não revelado. Lançado em 2000, o livro conta a trajetória de Marjane, mandada pelos pais para a Europa na adolescência, em 1983, alguns anos depois que o Irã foi dominado pelos religiosos muçulmanos. Desde a publicação de sua biografia, ela não voltou ao país natal e vive na França. Sobre as recentes manifestações contra a morte de uma jovem presa porque o cabelo aparecia apesar de estar com a cabeça coberta pelo véu, Marjane diz que finalmente vê homens participarem dos protestos.
Graphic novel para adultos, Persépolis é uma dessas histórias que podem abranger leitores distintos, sem delimitação de faixas etárias ou de nicho literário. Entre uma dessas rotulações estaria, certamente, a de entretenimento, que também inclui uma chic-lit como O amor não morreu (Intrínseca, R$ 58,28), da norte-americana Ashley Poston, que criou um romance quase gótico. Desde a consagração do Diário de Bridget Jones, de Helen Fielding, nos anos 1990, o romance rosa ganhou diferentes subdivisões: a mom-lit (sobre grávidas ou mães de crianças pequenas, solteiras/casadas/viúvas/divorciadas), a hen-lit (com protagonistas entre 40 e 60 anos), a glamour-lit (as que têm heroínas que fazem compras ou vivem cercadas por objetos de consumo almejados), entre tantas. Há também as divisões étnicas, livros sobre afrodescendentes ou moças filhas de imigrantes orientais nos Estados Unidos. E as protagonizadas por mulheres acima do peso, uma das marcas de Bridget Jones. Ashley Poston preferiu um amor sobrenatural entre uma ghost-writer e seu editor, que sofre um acidente de carro. Os pais da mocinha são donos de uma funerária, e Florence sempre conversou com os fantasmas dos mortos cujos sepultamentos ficavam a cargo de sua família. É assim que descobre que seu editor, por quem, em uma semana, desenvolve uma paixão, também está em outro plano. Apesar do tom sinistro, a narrativa é divertida. A relação de Florence e os espíritos lembra a descrita por Hillary Mantell em Além da escuridão (Bertrand Brasil, R$ 30), sobre a convivência de uma médium com diversas entidades – e que garantiu à escritora o Booker Prize em 2009. A brilhante Mantell, que faleceu em setembro, sabia equilibrar como poucos a arte de entreter com a alta qualidade de um bom enredo.