Histórias de vida para começar o ano

Começa o ano da graça de 2023, verão no Hemisfério Sul, temporada de botar a leitura em dia para muitos que se queixam da correria da vida. Janeiro tem cara de férias, época de ler títulos leves… ou não.  Uma pequena seleção para começar o ano vai aqui.

Há dez anos, a juíza Andréa Pachá juntou em crônicas casos que acompanhou como titular de Vara de Família no Rio de Janeiro em A vida não é justa (Intrínseca, R$ 59,90), que ganhou edição comemorativa com novas situações e depoimentos, sem identificação dos personagens. Além das disputas em torno de guarda de crianças e valor de pensões alimentícias, a pandemia trouxe um novo elemento para a discórdia entre os ex-casais, como o direito a visita a filhos de pais que se recusavam a tomar vacina contra a Covid-19. Um novo olhar sobre a família contemporânea, que se separa quando a convivência fica impossível, mas jamais desfaz totalmente seus laços, é levantado pela hoje desembargadora Andréa em relatos comoventes.

Transformar sua própria trajetória em romance, refletindo o controle da sociedade sobre o comportamento foi a base de A bastarda (Bazar do Tempo, R$ 73), da francesa Violette Leduc, que usou paixões e a vida em família como temas literários. Mulheres fortes – a avó, a mãe, uma empregada doméstica que engravidou de um jovem rico, que nunca assumiu a filha, as namoradas e o amor não correspondido, por Simone de Beauvoir – permeiam o texto arrebatador de Leduc, que se revela com a intensidade de uma jovem movida por pulsões acima de qualquer convenção.

Atriz de sucesso em série infantil de TV, a norte-americana Jennette McCurdy faz um exercício terapêutico de exposição das agruras de uma criança que segue carreira artística para satisfazer os sonhos da mãe. Abusos morais e físicos (por parte de um produtor, demitido da rede de televisão) eram parte da rotina da menina, que chegou ao estrelato quando trabalhou na série I, Carly. Em Estou feliz que minha mãe morreu (Inversos, R$ 59), ela mostra um universo nada glamoroso da infância e adolescência de jovens artistas, que, fora o trabalho incessante, precisam manter os corpos pouco desenvolvidos para garantir a continuidade de seus papeis. Estimulada pela mãe, Jennette desenvolveu anorexia e bulimia até conseguir largar a carreira e se dedicar a outras áreas de seu interesse.

O obstetra inglês Adam Kay também buscou a realização profissional em outro setor depois de quase dez anos trabalhando no Serviço Nacional de Saúde, no qual nosso SUS se inspirou. Jornadas angustiantes, despreparo, falta de pessoal e situações inusitadas não faltam em Vai doer (Intrínseca, R$ 52), que acabou adaptado para uma série de televisão.  O texto irônico não esconde o estresse de um setor extenuante, que acabou levando o autor a decidir e trabalhar como roteirista e comediante.

No fim dos anos 60, um grupo mal-ajambrado e cabeludo descobriu um paraíso natural a 50 quilômetros de Salvador, na Bahia. Poucos permanecem lá, cinco décadas mais tarde, porém o povoado mantém um recanto ainda conhecido como Aldeia Hippie. Viagens psicodélicas com diferentes drogas, banhos de rio ou de mar sem uso de roupas, as musas locais, que viviam despidas e as incursões policiais em busca de tóxicos são lembradas por alguns dos que experimentaram a vida alternativa em Arembepe, aldeia do mundo – Sonho, aventura e histórias do movimento hippie (Máquina de Livros, R$ 58), de Claudia Giudice, Luiz Afonso Costa e Sérgio Siqueira. Hoje, um ponto turístico com luz elétrica e esgotamento sanitário, Arembepe pouco mantém da mística do passado, mas ainda encanta os visitantes.