Quem já não leu uma história que entusiasma até um determinado ponto e depois cria a chamada barriga, resvalando para o mais profundo desinteresse e previsibilidade da trama? Esse pecado venial dos autores é cada vez mais comum, ainda que alguns queiram obedecer a regras consagradas pelos clássicos de um dos gêneros mais populares de leitura: a trama policial.
Policial é o nome que ficou popular no Brasil. Em espanhol são as “novelas negras”, em inglês, o “thriller”, o suspense, o mistério, nem sempre desvendado pelas forças da lei. Pincelar pitadas de crítica social e, principalmente, humor nesses enredos não é para todos. Os admiradores do italiano Andrea Camilleri – e ele próprio – reconheceram sua continuidade na obra do compatriota Antonio Manzini.
Vez por outra surge outro thriller divertido. O problema é sustentar esse humor e não se embolar numa trama complicada, sem um número de personagens que confunda o leitor. Alguns dos romances de Agatha Christie traziam momentos engraçados, outros eram pavorosamente sinistros, mas a escritora seguia um método fechado para compor suas histórias, com um vocabulário simples, reviravoltas que geralmente faziam sentido para o leitor e um mesmo número de capítulos – 25 – em boa parte dos romances. Essa concisão é talvez o que prejudique – só um pouquinho – “Todo mundo da minha família já matou alguém” (Intrínseca, R$ 48,90), do australiano Benjamin Stevenson.
O primeiro romance de Stevenson publicado no Brasil traz a reunião de uma família num resort de luxo que resulta em uma profusão de homicídios. A ambientação é perfeita para encobrir crimes: uma tempestade de neve isola a multidão de personagens (narrador, padrasto, mãe, irmão, ex-cunhada, ex-mulher, irmã, tia, marido da tia, mais agente da polícia, a dona do resort onde o grupo se encontra e alguns hóspedes).
O acúmulo de complexidades de tantas figuras e as revelações a cada capítulo entremeadas com conclusões irônicas do narrador se juntam a tanta ida e vinda de motivações entre personagens com características pessoais muito parecidas que, ao fim de 400 páginas, pode haver dúvida sobre o número de mortos e as justificativas para os assassinatos. Diverte? Até certo ponto. Fica na mente do leitor? Talvez, se não houver qualquer tipo de exigência de reflexão ou profundidade na trama. A narrativa “embarriga” um pouquinho. Poderia ser compensada com algumas lipoaspirações. A conferir o estilo de Stevenson se ele tiver mais obras oferecidas ao público brasileiro.
A sofisticação dos autores da Era de Ouro da ficção policial refletia a educação primorosa que eles haviam recebido antes da Primeira Guerra Mundial. Quem cresceu na Segunda Guerra, como Andrea Camilleri, desenvolveu um olhar inquieto para a estrutura social, apresentada com simplicidade em “O sorriso de Angelica” (Record, R$ 50,35), que chega ao Brasil 13 anos depois de lançado. O comissário Montalbano e sua atrapalhada equipe de investigadores têm que descobrir o chefe de uma quadrilha especializada em roubos a residências. À diferença de outros casos, o cérebro dos ladrões envia mensagens com desafios a Montalbano, zombando de sua capacidade profissional. É completamente dissociado da realidade? Nem tanto, se pensarmos que a vaidade insufla alguns psicopatas. Incita o leitor a raciocinar? Sim, e até a se antecipar para identificar o criminoso. E em apenas 221 páginas.