Neste outubro de exasperante intensidade emocional, a leitura deveria ser apenas escapista para aliviar os sentimentos em ebulição nas almas eleitoras. No entanto, talvez até pelo período tumultuado e de indefinição do futuro do país, títulos que levam a reflexões diversas sobre a inquietude humana se mostram tão atraentes quanto um bom thriller.
Uma dessas investigações sobre a motivação pessoal do artista está em Ator: um artesão de si mesmo (Cândido, R$ 84), da atriz Helena Varvacki, que transcendeu a atuação para se dedicar ao ensino e à reflexão sobre a arte. Partindo do texto “O artista e o artesão”, de Mário de Andrade, e de entrevistas com as atrizes Claudia Ventura, Cristina Pereira, Maria Esmeralda, Marjorie Estiano e Patrícia Pillar, Varvacki dialoga sobre a vivência de cada uma do processo de criação. Embora claramente dirigido a artistas, o livro desnuda algumas das questões que intrigam e incitam esses profissionais a desenvolver técnicas de comunicação com as plateias – o que interessa a qualquer tipo de público.
A abordagem ampla e em linguagem acessível de Levantados do chão – Territórios tradicionais e o Direito brasileiro (Dialética, R$ 65) amplia a diversidade de leitores do livro da professora e advogada Andréa Alves de Sá, pesquisadora e especialista em titularidades, que analisa Território das Comunidades Tradicionais no contexto do Direito Socioambiental. As injustiças na ordenação da propriedade da terra no Brasil são levantadas por Andrea desde o período colonial. Se a legislação sempre privilegiou uma pequena camada da população, há diversos tipos de ocupação coletiva, como as comunidades que vivem na Caatinga, que só tiveram reconhecidos seus direitos a partir da Constituição de 1988. Ainda assim, esse reconhecimento é reservado a poucos, que precisam se organizar para garantir o uso comunitário territorial.
A melancolia fica de lado quando se abre Rua do Ouvidor 110 – Uma história da livraria José Olympio (José Olympio Editora, R$ 50), de Lucila Soares, que recorda os tempos em que o endereço era ponto de encontro da intelectualidade brasileira. Neta do editor José Olympio, Lucila deixa de lado as recordações da casa dos avós, onde convivia com a nata da literatura nacional, para se concentrar nos esforços de um grupo em modernizar o pensamento do país. Aberta em 1934, no Centro do Rio de Janeiro, a livraria e editora congregava figuras como Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Carlos Drummond de Andrade e Graciliano Ramos, só para citar alguns dos escritores que acabaram lançando obras pela José Olympio. Capital da República, a cidade de dois milhões de habitantes era “pequena” em termos contemporâneos, e nela fervilhava a vida política e cultural do Brasil. A pesquisa da autora é o mais distante possível para quem se dispõe a contar a vida de seu próprio avô, mantendo, entretanto, um toque de carinho ao tratar dessa história recente, que pertence a todos que amam a produção artística brasileira.
Os jornalistas Mauro Ventura e Luciana Medeiros e o médico Fernando Boigues trazem em Diário de uma angústia – A força da escrita na superação de uma doença (Máquina de Livros, R$ 50) relatos de suas experiências pessoais frente a doenças graves. Ventura sofreu um AVC aos 31 anos. Luciana precisou fazer um transplante de medula para tratar-se de um raro linfoma de manto, enquanto Boigues acompanhou a cirurgia da filha que teve um tumor cerebral aos 26 anos. Os três escreveram diários ao longo desses tratamentos, buscando informações científicas sobre as enfermidades, submetendo-se a intervenções severas, reaprendendo a viver de acordo com limitações impostas por cada situação.
Um economista que abandonou uma bem-sucedida carreira antes dos 30 anos para se tornar monge budista, Björn Natthiko Lindeblad havia voltado à vida laica, quando, em 2018, descobriu que tinha esclerose lateral amiotrófica. Em Eu posso estar errado e outras lições de vida de um monge budista (Intrínseca, R$ 49,90), ele conta sua trajetória à procura da felicidade e a decisão do pai, que optou por uma morte assistida, na Suíça, depois de sofrer intensamente com uma doença pulmonar obstrutiva. Palestrante e organizador de retiros espirituais, Lindeblad também optou por morrer, em fevereiro deste ano, ingerindo um coquetel de medicamentos, acompanhado pela família, quando a esclerose se agravou. O livro, lançado em 2020, trata de sua busca pela tranquilidade, sem mencionar a decisão do autor ou criticar qualquer estilo de vida – até o que Lindeblad abandonou, na década de 1980.