Tarrafa

Dizem que quem está nervoso tem que ir pescar. Meu pai, em momentos de estresse, atraca um pouco antes. Para se sentir em águas tranquilas, ele faz tarrafas. Você, leitor desavisado, que não sabe o que é uma tarrafa, eu explico: são redes de pesca feitas com nylon e pedaços de chumbo nas bases. Arremessadas, elas abrem amplamente e vestem a superfície aquática. Parece um vestido de noiva.

Meu pai aprendeu esse ofício com a minha avó, mãe dele, no interior do estado da Paraíba. Ele tentou ensinar a mim e ao meu irmão. Mas não aprendemos. Pelo menos ainda. Quem sabe um dia? Até pouco tempo, o coroa não sabia usar Internet e agora não sai da rede. Da tarrafa e da web, pois ele ouve música pelo Youtube enquanto as mãos dançam trançando o nylon e o chumbo.

É um tricô grosso. Um crochê nutrido. É poesia, também. O que não pode ser, não é mesmo? E relaxa. E relaxa. Cada nó no nylon é um desatar de vida. Vai trançando as horas, dando forma ao tempo. E relaxa.

Fácil saber: ficou um bom tempo fazendo tarrafa, teve um dia difícil. É a vida. Momentos bons, momentos ruins. Cresci vendo meu pai fazendo tarrafas. Elas também crescem rápido. Logo estão prontas para o uso. Doidas para deitar nas águas.

Como disse antes, meu irmão e eu não aprendemos a fazer tarrafas. Ainda não, reafirmo. Contudo, meu mano aprendeu a jogar. Como é bonito ver a leve rede baseada por chumbo voando disposta a mergulhar. Pode até voltar vazia, que não estraga a cena de cinema. Tela cheia.

Tradição de séculos, as tarrafas podem se rasgar facilmente quando têm contato com galhos, pedras, tocos e são puxadas de volta com força. Costurar não é muito recomendado. Melhor fazer outra. Refazer o ciclo. Trançar o novo.

Enquanto isso, enquanto as redes estão lançadas e os dias ganham e perdem forma, meu pai faz tarrafas. E relaxa.