Tão necessário quanto oxigênio

Hoje vou ser sério, que o assunto exige. O livro está ameaçado. Grandes livrarias estão fechando, isso ameaça TODO o mercado. Como músico, vi praticamente todas as editoras musicais falirem em pouco mais de 20 anos. Não podemos deixar isso acontecer com os livros.

Quando pequeno, queria saber ler. Contam meus antepassados, e não têm razão para mentir, que era minha aspiração máxima. Devia ser, afinal lembro minha primeira leitura fora dos muros do colégio (e fica aqui minha homenagem à responsável, a professora “tia” Eufrosina): “Proibida a Entrada de Caminhões”, numa vila próxima. Não foi um início muito auspicioso, mas logo me redimi atacando furiosamente Monteiro Lobato. Aquilo me afetou; li “Emília no país da Gramática”, e queria ser professor de português; li “Geografia de Dona Benta” e queria ser geógrafo; li “O Poço do Visconde” e queria ser geólogo. No fim das contas, queria mesmo era ser leitor. E fui, dos mais vorazes. Mais adiante, abri outra frente, e li Agatha Christie. Li todos. No colégio, lembro do primeiro livro do ginásio: “As Aventuras de Tibicuera”, um Veríssimo de primeira. Veio Robinson Crusoe, os indefectíveis “Plebiscito” e “O Homem que Sabia Javanês”, na biblioteca do colégio descobri Sherlock Holmes. Conheci Anthony Buckeridge, tio-avô de Harry Potter. Machado de Assis, como é que tinha gente que o achava chato? Meu primeiro amor foi Capitu (que aliás traiu sim, e eu provo!). Eu tive uma infância difícil.

Pouco depois, de forma absolutamente natural, comecei a ler best sellers (Harold Robbins, Irving Wallace, Morris West…), adorava aquilo (os primeiros Robbbins, por exemplo, eram ótimos! E ainda hoje me confesso fã de Stephen King). Mas, envergonhado, comecei a ler gente séria, tipo Nietzche e, claro, não entendi bulhufas. Logo encontrei duas paixões hoje pouco lembradas pelos leitores: Giovanni Guareschi (“Dom Camilo”) e P.G. Wodehouse, o típico humor de farsa inglesa. Os brasileiros, Amado, (Zelia Gattai veio depois), João Ubaldo, Antonio Torres, Rubem Fonseca… E O Pasquim. Aí preciso paragrafar.

Logo depois de Lobato eu me deparei com um livro na estante de minha tia, o que me iniciou na profissão de ladrão, também: “O Caos Nosso de Cada Dia”, do Carlos Eduardo Novaes. Foi ali que eu, que queria ser desenhista, me deparei com cartuns escritos. Fui apresentado à ironia, ao deboche elegante, sem apelação, tudo refinado. E a partir daí, paralelamente aos romances americanos, me entupi dele, de Veríssimo (dessa vez o filho), Sabino, Stanislaw, Millôr, que me perverteu definitivamente ao se afirmar um “escritor sem estilo”. E n’O Pasquim eu tinha uma coleção de gente que me deixava doido, amadureci uma visão crítica que nunca mais me abandonou. E lembrando que nos jornais diários, nos esportes tínhamos Nelson Rodrigues, João Saldanha, Sandro Moreira, José Inácio Werneck, gente que sabia juntar pronomes; nos cadernos de literatura tínhamos Drummond, Rubem Braga, o já citado Sabino, Otto Lara Resende, os igualmente citados Novaes, Millôr, Veríssimo, Ivan Lessa, tanta gente…

Ler sempre foi o lazer predileto. Sempre com um livro debaixo do braço, nunca me perdoarei pela minha timidez ao cruzar com Fernando Sabino com um livro DELE no sovaco literário! Por que não pedi aquele autógrafo?

Ah, já ia esquecendo: os sebos! Os sebos… no Rio tínhamos diversos, alguns com livreiros de verdade. Ainda temos alguns, e muito bons, mas a quantidade antigamente era assustadora. O maior, o “sebão” da livraria São José era um negócio gigantesco. E o estoque era sempre renovado, uma delícia. Nunca consegui me decidir se gostava mais do cheiro de livro velho ou de livro novo. Por isso tenho uma certa antipatia com livro “eletrônico”, com cheiro de metal…

“Quem não lê, mal ouve, mal fala e mal vê”. Ficava escrito num cartaz na parede da Editora Civilização Brasileira. O autor, segundo o Google, é Monteiro Lobato, mas tenho quase certeza que não.  Ziraldo disse que é mais importante ler que estudar, e concordo. Ler obriga o cérebro a fazer associações, a imaginação corre, e a gente nunca mais é o mesmo depois de um bom livro. Quem leu Winnetou, do alemão Karl May, jamais torce para os mocinhos em filme de caubói, só para os índios; quem leu Sherlock Holmes e não tentou solucionar mistérios cotidianos não viveu; quem fez pesquisa escolar na Barsa, na Conhecer ou na Britânica não esquece. No Google, 10 segundos depois já saiu tudo da memória. Quem consulta dicionário nunca se contenta com a palavra que procurou, sempre acaba lendo umas outras tantas. E o vocabulário aumenta. Meu dicionário favorito terminava com a palavra Zwingliano. Não vou dizer o que é, vá procurar.

O natal acabou, mas vale para aniversários, datas festivas, quaisquer comemorações: dê livros. Se tiver filhos pequenos, leia livros, presenteie livros, leve as crianças a livrarias e bibliotecas. Mostre a elas a riqueza que há ali dentro, e melhor: uma riqueza que o dinheiro pode comprar!

Ler é a melhor coisa que você pode fazer vestido. E, pelado, empata.