Sombra e Luz

Era uma noite fria. A lua brilhava suntuosa no meio do céu, como uma rainha em sua plenitude. Sua luz era tanta que apagava as pequenas estrelas que tentavam se fazer ver ao seu redor. Tolas! Elas estavam próximas demais da lua que gostava de reinar soberana, apagando quem ousasse se aproximar demais dela. Era uma vida solitária a da lua. Não havia espaço para amizades, nem para o amor. E assim era a vida de Joana, que caminhava numa estrada de terra, sozinha, altas horas da madrugada. Joana e a lua. Joana sempre acreditou que viera ao mundo para brilhar, para ser única e incomparável. Fazia o que preciso fosse para conquistar seus feitos, disfarçar seus defeitos. Sempre sozinha, Joana ia. Mas essa noite aconteceria algo inusitado, inesperado.

No meio da sua caminhada Joana ouviu passos. Parou e olhou pra trás para ver quem vinha. Normalmente ninguém cruzava seu caminho, ainda mais àquela hora. Ela gostava de caminhar por ali sozinha, toda as madrugadas quando seus pensamentos fervilhavam e não a deixavam dormir. Ali ela encontrava refúgio para que seus pensamentos voassem livres e a deixassem descansar. Olhou e não tinha ninguém. Seguiu, como de costume, mas os passos continuaram e agora mais rápidos, como se alguém viesse correndo para alcançá-la. Ela parou de súbito, para tentar encarar quem estivesse vindo em sua direção. E nada. Não tinha ninguém!

Joana começou a olhar em volta, para o meio da mata que circundava a estrada de chão e pensar que poderia ser algum animal de hábitos noturnos. Sentiu medo, mas não tanto pois ela era do tipo que não se deixava amedrontar por coisa pouca. Parou, olhou em volta e perguntou:

— Alguém está aí? Está me ouvindo?

Esperou alguns segundos, mas não obteve resposta. Continuou sua caminhada, tentando abstrair o que ouvira. Ainda faltava um pedaço longo de chão até chegar em sua casa. Mas o barulho não parou e continuava mais forte, mais próximo. Joana decidiu ignorar e continuava a olhar para frente e a caminhar impávida. Até que os passos viraram corrida, se aproximaram cada vez mais e mais e mais… e algo empurrou Joana com força contra o chão. Ela caiu sem entender nada do que estava acontecendo, afinal de contas ela tinha acabado de procurar por alguém e não havia visto nada. Com os olhos cheios de areia e a roupa toda suja de lama, Joana foi se levantando ainda um pouco tonta e sem compreender o que estava acontecendo ali. Quando Joana conseguiu virar o seu corpo ela deu de cara com uma sombra, parada em pé na sua frente. Esfregou os olhos pois não acreditava no que estava vendo…

A sombra era ela mesma!

Com a mesma roupa, mesmo corte de cabelo, altura, peso. Não, não deixava dúvida alguma. Aquela sombra que a havia empurrado, era a própria Joana. O medo começou a tomar conta do seu corpo e de suas reações e Joana tentou levantar-se do chão para bater em retirada. Era corajosa mas sabia quando estava em situação de perigo. Só que Joana não conseguia se mexer. Não conseguia mover um só músculo de seu corpo. Tinha total consciência do momento e de tudo ao seu redor, mas não conseguia se movimentar, falar, gritar, nada. Nada. Sua sombra a encarava com os olhos negros, fixos nos seus, como quem se prepara para um golpe fatal.

Nesse momento, uma mão surgiu e a tirou do chão. Puxou Joana com força e colocou sobre seus ombros, correndo a toda a velocidade que poderia ser capaz de alcançar. O ser que acabara de salvar sua vida emanava uma luz muito forte e quase cegava Joana. Ela tentava abrir os olhos para ver de quem se tratava e não conseguia mantê-los abertos. Agarrada em seu pescoço com a força de quem segura a própria vida na mão, Joana se entregou e se deixou ser salva. Mas foi num súbito relance, que Joana conseguiu enxergar quem era o seu anjo protetor e, mais uma vez, ficou estarrecida.

A luz era ela mesma!

Com a mesma roupa, mesmo corte de cabelo, altura, peso. Não, não deixava dúvida alguma. O ser que reluzia como ouro era a própria Joana. Ela foi deixada no chão e orientada a correr sem olhar para trás. A sombra já havia alcançado as duas. Agora eram luz e sombra se encarando e Joana paralisada pois não conseguia tirar seus olhos daquela cena surreal. Os dois seres, luz e sombra, começaram a brigar entre si e rolavam pelo chão como gladiadores na arena. Joana olhava tudo atentamente e não sabia como agir, o que fazer, por quem torcer. Afinal de contas, se a sombra morresse, não morreria ela própria também? Olhou para o céu e pediu ajuda à lua, que seguia plena como de costume.

Neste momento, um clarão se fez em meio à poeira levantada pela briga e histeria instaurada. Sombra e luz se olhavam cansadas. Olharam para Joana que, estatelada, não conseguia se expressar. Elas se deram as mãos e caminharam em direção à Joana. Enquanto caminhavam elas foram se fundindo, se unindo, reunindo suas pegadas. O clarão vinha do coração de Joana, que brilhava cintilante como a prata, tão ofuscante quanto a luz da lua. Sombra e Luz, Luz e sombra. Entraram no seu coração e a força a arremessou ao chão.

Joana se levantou, aturdida e confusa pelo que tinha visto. Achou que era sonho mas sentia seu beliscão. Olhou pro céu e mirou a lua, sua sábia conselheira. Se deu conta que a culpa era sua, somente sua. Das suas duras quedas na vida às suas corridas vencidas, ninguém mais havia, senão ela mesma. Ora sendo sombra, ora sendo luz. O que muda o desfecho é encarar a sombra de frente, não se deixar tombar desprevenido, andando como se não tivesse ruído, como se não tivesse o que enfrentar e curar… internamente.