Preguiça matinal

O dia estava só começando, mas já acordou com aquela sensação de que poderia ter continuado a dormir e, quem sabe, deixado o trabalho para depois. Mas seu senso de responsabilidade era afiado demais para falhar e deixá-la cometer esse tipo de delito. Precisava mesmo levantar da sua cama quente com o formato e cheiro do seu corpo no lençol e arregaçar as mangas.

Sentou na beirada da cama e se espreguiçou como quem tenta acordar todas as fibras musculares e gerar uma corrente elétrica pulsante para energizar seu cérebro e fazê-lo despertar para o dia. Olhou para sua cachorra que sequer abriu os olhos para fazer companhia na sua alvorada. Enrolada feito um caracol e com o focinho enterrado entre as patas, ela dormia plena e profundamente como que em um acinte proposital para causar inveja. Sentiu vontade de ser um cachorro naquele momento. Deu um pulo para fora da cama e mais uma espreguiçada, estirando até as pontas dos pés… Abriu uma fresta da cortina para ver se estava sol ou se chovia e qual roupa escolheria para combinar com o clima. Mas qual clima? O interno ou o externo? Dentro ou fora dela mesma? Talvez um modelinho que servisse a ambos, pensou ela. Banho gelado para fazê-la pular e irrigar seus órgãos nobres. Café forte e quente para fazê-la raciocinar e enxergar a estrada. Calça confortável e blazer de moletom, pra manter a elegância sem abrir mão do conforto. Cabelos molhados, hidratante labial cor de cereja e um blush vermelho discreto para dar uma aparência mais saudável já que não se encontrava com o sol fazia tempo.

Durante o caminho para o trabalho já se sentia mais forte, mais viva. Suas pálpebras já não pesavam mais como pêndulos de chumbo. Mantinha os olhos abertos e despertos. Mil planos em sua mente e um arsenal de projetos, inspirações e aspirações. Suas mãos estavam firmes no volante e, quando se deu conta, estava cantando aos berros “can you feel the love tonight?”, do Elton John. Ouvia perfeitamente a música e pensou que era uma dádiva poder ouvir. Enxergava bem as placas e semáforos e pensou ser uma dádiva poder enxergar. Movimentava bem seus braços e pernas e imaginou como seria se não os tivesse. A preguiça matinal era legítima, tinha lá sua razão de ser. Mas não forte o bastante para superar a delícia que é estar vivo, alerta e consciente o suficiente para reconhecer o presente e aproveitar cada minuto da jornada.