Percepção de nós mesmos

Certa vez, comentando com uma conhecida do bairro que o tempo passava rápido e nossas filhas haviam crescido, disse que recordava dela passeando grávida. Ela, bem-humorada, sem pestanejar, brincou: “Você lembra? Mas ela é adotada…”

Fiquei super sem graça. Ela riu bastante. Desculpei-me pela confusão e disse, cismado, que a cena estava na minha mente. Para me acalmar, ela falou que, muitas vezes, conversamos enquanto ela passeava de carrinho com a bebê. E que eu, como o povo, que aumento, mas não invento, apenas criei uma versão.

Lembrei que várias vezes, pessoas me colocaram em histórias das suas vidas que nunca estive. Já pensei, até, estar ficando com problema de memória, tamanha a certeza com a qual afirmavam tais situações que, para meu alento, muitas vezes se passavam, até mesmo, em cidades onde nunca estive.

Aprendi a não confiar na mente, pois ela completa, inventa, edita e cria um playback que passa com tamanha perfeição na tela de nossa cabeça, que poderíamos jurar, diante da Bíblia ou do polígrafo, fatos irreais. Por isso, além da opinião pessoal, que é subjetiva, ainda existe esse complicador no cotidiano.

A percepção influencia diretamente nosso senso do que é real. Por isso, é importante compreender como ela se dá. Na psicologia, a aferição feita pelos sentidos é denominada cognição e, só depois de interpretada passa a ser chamada de percepção. Portanto, é influenciada pela maneira como nossa espécie trata tais dados e pela nossa imersão no que é socialmente esperado.

A escola que estuda nossa percepção como algo estruturado, chama-se Estruturalismo ou Gestaltismo e nos conscientiza, mesmo não esgotando o assunto, que existem fatos relevantes a se levar em conta e a discutir. Exemplos nos cinco sentidos, mostram o quanto podemos ser enganados por ela.

As brincadeiras com a visão, talvez sejam as mais exploradas, basta ver as gravuras de M. C. Echer e tantos outros artistas que estudam e exploram em seu trabalho, maravilhosas distorções desse sentido.

O olfato nos prega uma peça, que é o costume. Mendigos, lixeiros, donos de cachorro e moradores de manguezais, são exemplos de pessoas que não sentem mais o mau cheiro de si, do lixo, do bicho e do lugar onde moram.

Já contei aqui que, devido aos receptores de tato que temos nos pés, nas mãos e no peito, surdos podem dançar. E da sacada da Igreja, na idade média, para provar a presença de Deus, fazendo com que os organistas tocassem notas inaudíveis, tão graves, que faziam tremer as paredes, janelas e vitrais.

Com o paladar, posso citar o exemplo que vivi no aniversário de uma amiga, que fez propaganda, durante toda a semana, sobre o bolo de morango delicioso que ela levaria. Na hora que provei, cuspi, achando que estava estragado, pois o bolo era de pêssego e minha mente não conseguiu entender o outro sabor…

Com a audição, ainda sem falar de música, podemos lembrar do fato de que ventiladores, ar-condicionados, latidos, miados, gritos, etc. podem incomodar bastante alguns na hora de dormir e outros, já habituados, nem percebem, já que o cérebro tende a não “gastar” a atenção da percepção com algo óbvio.

A percepção rítmica, faz com que se perceba, sempre, a sílaba tônica como primeira, isso influencia na forma como escrevemos a partitura. Mas tal regra não foi criada por músicos. Experimente: repita a palavra café e veja que num momento sua mente vai inverte-la. Isso já não acontece com a palavra faca.

Na música, percepção é uma matéria. Uma cadeira da faculdade. Obviamente, destina-se a treinar os alunos a perceber, ensinando técnicas que vão dando a ele, gradualmente a capacidade de aferir, ritmo, notas e acordes.

Num experimento com o aumento da velocidade de lâmpadas que piscavam alternadamente, concluiu-se que os observadores percebiam, primeiro, elas acendendo e apagando, depois, trocando de lugar e, por último, constantemente acesas. O cérebro interpreta, à sua maneira, o que está além de sua capacidade.

Como disse no início, a mente edita. E é de muita serventia, ter noção de que somos influenciados pela maneira como isso se dá e o tipo de distorção que pode acontecer, quando não tem a capacidade de aferir. Afinal, ficamos a sua mercê.

Além disso, pessoas que detém essa informação, nem sempre estão dispostas a nos alertar e, sim, usá-las contra nós. Portanto, se estivermos alertas e dispostos a conhecer as coisas de forma mais profunda, podemos procurar evitar os enganos. Não só nas artes, mas em vários aspectos de nossa vida.

De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não ipomtra em qaul odrem as lrteas de uma plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia lrteas etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma ttaol bçguana que vcoê pdoe anida ler sem pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaa lrtea isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo. Vdaerde!

Paz! Até a próxima!