Overdose

Lucy era como um vulcão em erupção. Sempre em plena atividade ela esbanjava uma suposta, e muitas vezes invejada, energia e disposição. Trabalhava dia e noite, noite e dia e, por muitas vezes, esquecia-se de dormir. Para não perder muito tempo útil ela não se demorava no preparo das suas refeições. Comia o que tinha de mais fácil execução e essa quase sempre não era a opção mais saudável. Sua água, ela obtinha do café. Para que perder tempo bebendo água já que litros de café por dia eram ingeridos para manter o nível de atenção? Com as pupilas dilatadas pela adrenalina, Lucy corria como um lince. Brônquios expandidos, taquicardia e hipertensão. Esse era o estado basal dela, diariamente.

Era necessário manter sua produtividade sempre em alta porque ela não queria perder: tempo, dinheiro, status, privilégios. Ela tinha muito ainda a conquistar. Seus padrões e necessidades materiais iam aumentando, conforme seus cargos e encargos iam crescendo. Lucy era o próprio caos. Em estado pleno de exaustão física e mental, ela existia e insistia em viver. Era uma busca implacável pelo sucesso e uma ótima maneira de fugir de si mesma. Quando tudo parecia começar a se acalmar e as demandas iam dando uma trégua, Lucy tratava de criar novas e urgentes missões. Ela não podia parar. Ou, de fato, não queria mesmo.

Até que Lucy foi sendo vencida pelo cansaço. Já não tinha mais nem de perto o pique de antes e agora seus olhos pesavam como chumbo ao cair da noite. Sua memória estava afetada e sua capacidade laborativa deteriorava a cada dia. Aumentava os goles de café, mas seus receptores de cafeína já estavam saturados e inoperantes. Tentava se manter ágil e elaborar textos impactantes para suas reuniões de negócios, mas lhe faltavam palavras e ideias. Se sentia mais cansada a cada dia que passava.

Foi então que Lucy decidiu tirar férias. Pela primeira vez, nos últimos quinze anos, ela iria para uma de suas casas na serra sem levar trabalho algum e aproveitar o ar puro das montanhas. Decidida agora, em se cuidar e olhar carinhosamente para a sua saúde física, mental e emocional, Lucy arrumou suas coisas e se encaminhou para um período sabático, sem data de retorno. Se organizou para acordar cedo, fazer uma caminhada leve pelo jardim de manhã e as suas refeições caseiras seriam ao ar livre. Leria um livro, veria bons filmes e tomaria uma taça de vinho à noite perto da lareira.

Ao chegar na sua charmosa e aconchegante casa aos pés da Serra da Mantiqueira, Lucy sorriu e uma lágrima discreta rolou pelo seu rosto. Como havia perdido tanto tempo em não estar verdadeiramente ali, ainda que por curtos, mas constantes, períodos? Depois de um demorado banho quente em sua jacuzzi e um jantar leve e caprichosamente preparado para sua recepção, Lucy foi para o jardim deitar um pouco em uma das espreguiçadeiras, que ficava próxima de uma queda d`água natural que corria por ali.

Lucy se deitou e contemplou, emocionada, o céu estrelado e a lua nova, que sinalizava seu recomeço. Após um suspiro profundo, colocou as mãos em seu peito que ardia em uma dor súbita, constricta e dilacerada. Lucy não resistiu.

Causa mortis: overdose de lucidez.