Olhos que condenam

Minha relação com o transporte público já foi profissional.  Meu primeiro emprego foi de jovem aprendiz em uma empresa de ônibus. Eu olhava as câmeras dos veículos e fazia relatórios de situações incomuns que aconteciam durante as viagens para passar aos setores responsáveis por fiscalizar esses casos.

Os motoristas odiavam a mim e aos outros garotos que faziam a função. Vi muitas coisas bizarras nos poucos meses que trabalhei com isso.

Uma vez, um motorista parou o ônibus no meio da rua, falou com os passageiros que estava passando mal (fizemos leitura labial, pois as câmeras não captavam áudio) e começou a defecar dentro do veículo. Posteriormente, ele alegou à empresa que estava com problemas no estômago.

Em uma manhã, estávamos assistindo aos vídeos da noite anterior quando o sono da molecada passou. Um casal estava se beijando aceleradamente na parte de trás do vazio coletivo. O romance já estava na quinta marcha.

Velocidade cinco.

Foi quando a moça colocou o câmbio do rapaz para fora da calça. Ele parecia não acreditar, mas não impediu. Ela fez sexo oral ali mesmo, na hora, na boa. Depois disso, todos os jovens que estavam em outros setores da empresa pediram transferência para o setor das câmeras.

Certa tarde, o chefe do setor nos pediu para olharmos, com atenção, um determinado ônibus. Este veículo estava voltando, todos os dias, para a garagem com menos dinheiro no caixa do que constava na roleta.

Olhamos. Nos primeiros minutos de vídeo, apareceu o motorista, na cara dura, colocando uma espécie de fita isolante nas câmeras, para dificultar a visão. O superior viu. O motorista foi demitido e jurou que iria pegar “os garotos das câmeras” na porrada. Ainda bem que sai da empresa.