O velho do bar

Todos os dias ele estava lá. Na mesma cadeira meio quebrada, na mesma vida
sem um pedaço. Dizem as línguas mais sóbrias que ele se afundou no álcool
quando seu amor se afundou na terra após um ataque cardíaco.

A questão é que ele não ficava bêbado a ponto de dar vexame. Aliás, nem
dava sinais de embriaguez. O tom era sempre o mesmo. De homem vivido,
graduado na faculdade do tempo, bom de papo, malandro adorado por
semelhantes e otários. Pois, “o bom malandro precisa ser otário duas vezes
por dia”, dizia ele.

Chegava ao boteco na hora do almoço e só saia de lá por volta das oito da
noite. Ia para casa, dormia e voltava na tarde seguinte, religiosamente,
todos os dias.

Os bêbados mais sacanas diziam que ele estaria no bar tão certo quanto o
nascer do sol. Um mais exagerado falou que o nascer do sol não aconteceu um
dia, mas o velho, com seu cabelo meio cinza e bermudas coloridas, esteve no
bar mesmo assim.

A dona do bar era só elogios. Também, o velho além de consumir ajudava em
um eventual serviço. Limpava mesas, carregava caixas de cerveja, preparava
sanduíches e contava histórias que até faziam os cachaceiros interromper os
goles por um intervalo de tempo mais cheio.

Quem não ia muito com o focinho do velho eram os vira-latas que cercavam o
estabelecimento etílico. Era o velho levantar para ir embora que eles
latiam como se não tivessem gargantas. Talvez fosse saudade. Talvez raiva.
As duas coisas se cruzam nessa vida trançada.

Porém, teve um dia que o velho não foi ao boteco. E teve outro, e teve
outro. E teve outro. Alguém bateu na casa dele. A porta trancada e com uma
trava interna foi aberta como uma garrafa de champanhe, num estouro.

O estrondo maior se deu quando o corpo do velho do bar foi visto no chão da
modesta sala. Estava morto. Como o seu grande amor. Não se soube a causa.
No caso de morte, a causa não vale nada. O que importa é a consequência.

No dia seguinte o bar abriu. No entanto, a cerveja estava quente. A cachaça
mais amarga que o normal. As mesas fora do lugar. Até a cadeira meio
quebrada foi ajeitada. Os cachorros da rua ficaram calados, não latiam, de
luto. Até o Sol sentiu a ressaca e deixou o céu meio cinza, da cor do
cabelo do velho.