O racismo estrutural é letal

Eu sempre tive medo de falar do Racismo. Medo de falar sobre uma espécie de encontro com a sua vivência real cotidiana e não conseguir abstrair o sofrimento oriundo dessa porta, de me conectar com esse real e sofrer com ele. Mas quem foi que disse que não havia sofrimento antes de o ver? Tenho vivido experiências de conexão com o ancestral, com o que veio antes, o passado, a família, a sabedoria do que é velho. E com elas, o racismo, que assim como explicam diversos autores de ontem, como Abdias, e de hoje, como Silvio Almeida, é estrutural.

É estrutural não porque é uma unidade fixa de conservação imutável, mas sim porque está encrustado em diversos micronúcleos de ação na sociedade, que não precisam de declaração explicita para acontecer. Alguns exemplos: os presídios têm cor, a escola pública precária em diversos níveis tem cor, as doenças negligenciadas têm cor, a bala perdida tem cor.

De maneira nenhuma, afirmar que um processo de negligencia, omissão do Estado, da sociedade, das relações estruturais que sustentam nossa vivência, tem cor, nega as relações de opressão de classe, ou de gênero. O que é fundamental compreendermos é que toda opressão gera outras, e que a negação explícita de um Estado, de um poder, da possibilidade de existir dignamente de um determinado grupo de pessoas é uma grave violação não só a essas pessoas, mas a toda a existência humana e à democracia em si.

Já que abrimos a porta de um racismo sutil, vamos adentrar seu espaço, olhar em volta e ver o que descobrimos. Descobrimos que a violência, a morte, a negação, é um projeto de poder, que sustenta uma sociedade capitalista e precisa desses mecanismos para sua manutenção. E com a radicalização do capitalismo, na sua vertente neoliberal, esses processos tem se aprofundado, exigindo uma resposta à altura, um contra-ataque, uma contra hegemonia, que faça frente a essas determinações.

Portanto, não é possível que qualquer movimento antirracista aceite que o SUS receba menos 2 bilhões de orçamento para 2021, não é possível que os movimentos antirracistas aceitem o extermínio dos povos indígenas pela falta de atendimento médico na pandemia de COVID-19, não é possível que sendo 57% da população negra só 4% sejam representantes no legislativo, não é possível que se excluam os brancos dos espaços de discussão antirracista, não é possível que não divulguem, leiam e acompanhem as produções de seus companheiros e companheiras, sendo elas cientificas ou artístico-culturais,  como também não é possível que esses movimentos aceitem qualquer face do machismo e do preconceito contra pessoas LGBTQI+.

O racismo estrutural é letal, mas a força de um povo consciente pode sim ser resistência a essa sociedade brasileira falida. Unam-se pelo SUS, pela educação pública de qualidade, pela produção artística e cultural livre, pela democracia, pela diversificação dos espaços de poder e de seus representantes, pela distribuição de renda, pelo fim das queimadas na Amazônia e no Cerrado, pela conservação e profusão dos modos de vida indígenas e quilombolas. Pelos nossos ancestrais, vilipendiados por essa sociedade capitalista opressora, que estão só aguardando nós abrirmos as portas.