O medieval contemporâneo doméstico

Durante a pandemia tivemos o aumento considerável da violência doméstica nos lares do  Brasil.  Sendo o teatro, desde seu início, político, vozes se levantaram. A atriz Deborah Finocchiaro do Rio Grande do Sul fez as honras da casa, tomou a frente e começou sua criação contra essa estupidez, que ainda se movimenta em uma sociedade abraçada ao machismo, ao patriarcado já tão démodé.

Na pandemia, alguns casos chocaram, como o da juíza assassinada com dezesseis facadas, na frente das filhas, e vozes artísticas ocuparam espaços em tons mais altos.

Antes do isolamento social, o teatro já fazia a sua parte contra todo esse despautério. Obras como “Penteselia”, dirigida por Renato Carrera, no teatro Gil, “Como Todos os Atos Humanos”, no Teatro Poeira, “Era Medeia”, de Isabella Nassar e tantas outras.

Diante do aumento de casos de violência e agressão contra as mulheres, artistas continuaram exercendo sua arte por intermédio da internet e seus gritos de luta não sufocaram!

Alguns puristas se negam nomear como teatro o que os artistas andam fazendo, no entanto, se existe um pouco de sobrevivência do cênico nos dias atuais, devemos a esses artistas teatrais, que se reinventaram e às mídias. Não há discussão quanto a isso, espectadores se chegaram, estão ali, mantendo o pulsar do teatro.

A gaúcha Deborah carrega em sua bagagem mais de trinta e três prêmios e encontrou uma forma de dar espaços às vozes das vítimas. Ela correu contra o tempo, gritou contra toda essa violência que assola brasileiras, em todo território nacional.

Débora recebeu de muitas mulheres os textos que são encenados e também os textos da advogada, que a cada fim de tomada orienta as mulheres de como se defenderem das investidas, que muitas vezes também são psicológicas.

São atrizes que encarnam dores, traumas, carregadas de eloquência.

Na verdade, Déborah tem um espetáculo chamado “Pois é, vizinha”, uma adaptação do texto “Una Donna Sola”, do dramaturgo Dário FO, onde a personagem retrata com muita atualidade, as situações trágicas e recorrentes do cotidiano, tais como: a violência doméstica contra a mulher; a hipocrisia que permeia tantos casamentos e relações; o prazer ou desprazer sexual feminino; a fragilidade dos valores calcados nos bens materiais e o difícil exercício da liberdade. Desde 1993, o espetáculo está em cartaz, são mais de 200 mil telespectadores, exatamente por isso, acredita-se na atriz como uma porta-voz de peso para abordagem desse tema, que, notavelmente, a inquieta.

“Confessionários – Relatos de Casa” nasceu da força dessa artista e tomou proporção e espaços inimagináveis.  Esse trabalho chega a segunda temporada, e vale ressaltar a importância de que obras como essas não se diluam.

“Confessionários” está disponível no canal do Youtube, inclusive sua primeira temporada. Todos os episódios dispõem de recursos de acessibilidade (audiodescrição, libras e legendas para surdos).

Ao fim dos relatos, a advogada Gabriela Ribeiro de Souza, especialista em direito da mulher, dá informações sobre tipos de violência, formas de denunciar entre outras informações úteis.

Assistindo à primeira temporada nota-se o cuidado das atrizes em cada relato, as leituras performáticas são trazidas com devoção, de forma latente, elas se esparramaram em seus papéis, tudo bem trabalhado. Caracterização, vozes e acima de tudo a entrega de cada atriz, de cada mulher, elas parecem se esvaziar do seu eu e encarnam a fuga, a sobrevivência.

Na segunda temporada, algumas atrizes trarão textos com viés pessoal.

CONFESSIONÁRIO – RELATOS DE CASA

22/2, às 19h, no YouTube

23/2, às 20h, no IGTV

Acesse:

Youtube www.youtube.com/confessionario

Instagram www.instagram.com/confessionariorelatosdecasa/channel

FICHA TÉCNICA  (2ª temporada)

Criação, Direção e Roteiro: Deborah Finocchiaro e Luiz Alberto Cassol

Textos: Adaptação coletiva a partir de relatos de Gabriela Souza, notícias e outras histórias

Preparação de Elenco: Deborah Finocchiaro

Elenco (1ª temporada): Amanda Gatti, Arlete Cunha, Cibele Sastre, Dane de Jade, Danuta

Zaghetto, Deborah Finocchiaro, Eleonora Prado, Graziela Pires e Laura Medina

Elenco (2ª temporada): Cristina Flores, Elaine Regina, Magda Loitzenbauer, Patricia Soso, Paula Souza, Sandra Alencar, Simone Telecchi, Sinara Robin e Valeria Barcellos.

Foto Fernanda Chemale