O ET Intelectual

Fulano — vamos ocultar seu nome por questões de privacidade — era professor. Vivia um momento delicado, seu salário ameaçado de ser reduzido, condições de trabalho ruins, mas o que mais o afligia era a burrice reinante. Via usarem a física quântica para ganhar dinheiro com falsas promessas, via pessoas não vacinando os filhos, essas coisas o faziam repensar toda sua vida. Um dia, numa rede social, não resistiu e respondeu a uma postagem de um terraplanista. Foi uma enorme balbúrdia, centenas de néscios enfurecidos o atacavam. Resolveu sair para dar uma volta e espairecer.

Estava no sítio de um amigo, lugar simples e isolado. Mal havia alcançado a estradinha quando uma brilhante luz vinda do alto o paralisou. Parecia um daqueles sonhos em que você não consegue se mexer, uma coisa horrível. Ele ali, parado, estático, no meio do nada. Subitamente a luz se apagou. Mal recobrou os movimentos e viu um estranho ser diante de si. Pequeno, cinzento, orelhas pontudas, olhos grandes e amendoados…
—Qqqqqqqquem é vvvoccccê?
—Meu nome é Zyldretgbshdgxfre, mas pode me chamar de Zyl.
—Mmmaaasss… Ahn… Uh…
—Eu venho de uma galáxia distante, monitoro esse planeta.
—Momomomonitotora?
—Vamo pará de gaguejá? Assim a conversa não rende, sô!
—Vvou tentar.
—Então, eu monitoro tudo, inclusive as redes sociais. Escolho algumas pessoas e as sigo. Como simpatizei cocê, resolvi te ajudar.
—…
—Rapaz, esse negócio que ocê falou é uma enorme bobagem!
—O quê?
—Que a Terra não é plana!
—COMO ASSIM??????
—É plana, uai!
—Isso é um absurdo!
—Absurdo é vocês acharem que podem andar numa bola sem escorregar!
—Mas…
—Rapaz, andei o universo todo, eu sei o que digo!
—Mas só a Terra não é redonda?
—Não, paspalho, há bilhões de planetas planos. E não vou dizer que “planeta” vem de “plano” porque a piada é velha – e não funciona em todas as línguas.
—Mas isso não faz sentido!
—Ocêis são idiotas, acreditam em tudo que a Nasa diz!
—Não fomos à Lua?
—CLARO que não! A Lua é redonda, vocês iriam cair dela!
—Você está me enlouquecendo aqui…
—Existe um complô mundial para acharem que a Terra é redonda!
—Mas por quê?
—E eu que sei? No meu planeta ninguém discute – mas a gente é muito mais evoluído que ocêis!
—Pera lá, mas que sotaque é esse?
—Ah, a gente adora Minas, sempre que pode dá uma passadinha por lá, e o sotaque garra em nóis.
—E a gravidade?
—Não existe essa bobagem!
—Então por que a gente não voa?
—Mas voa! Não tem avião, helicóptero, essas coisas? E se nascesse asa nocêis, iam voar também — mas aí cê tinha que perder um pouquim de peso.
—Não posso acreditar!
—Não pode porque é burro demais da conta! Nós temos milhões de anos de civilização. Então, animal, volta lá e se desculpa! Divulga a verdade! E vai pesquisar, tem um monte de vídeo explicando, intelectuais de verdade que perdem seu tempo querendo ajudar a humanidade!
—Bom, sendo assim, eu vou.
—E outra coisa: a física quântica não tem nada a ver com o que essa cienciazinha daí pensa. É para fazer ocêis feliz, e ocêis fica perdendo tempo fazendo conta! Aquele trem não serve pra nada além de ajudar ocêis!
Fulano começa a se afastar.
—Ô! Ô moço, tem mais uma coisa!
—O quê?
—Vacina, ói, sei não…
Cabisbaixo, voltou para casa, abalado mas convencido.

Na nave mãe, dois ETs conversavam:

—Não tem como impedir o burro do Zyldretgbshdgxfre de falar esses absurdos, sô?
—Shhhh! Fala baixo! Ele é amigo do Capitão!