O Espelho — o experimento

Um espetáculo on-line chega esbanjando competência: Experimento Espelho 2.0.

A utilização das ferramentas virtuais ultrapassa o conhecimento técnico e se mostra como resultado de um mergulho profundo na criatividade. O áudio visual apresentado agrada espectadores e críticos, até os mais clássicos reconhecem a grandeza dos jovens artistas.

Na verdade, parece existir um certo grau de déficit de atenção quando se assiste aos espetáculos nessa nova linguagem teatral, mas, mesmo sendo por intermédio de uma plataforma digital é possível estabelecer conexão com estes três magníficos jovens atores: André Zurawski, Marcelo Moraes e Thomas Huszar.

A fantástica dramaturgia nasce a partir do conto “O Espelho — Esboço de uma nova teoria da alma humana” de Machado de Assis, mas com a expertise de fazer o esqueleto do literário se revirar no túmulo de alegria. O verbo de Machado ressuscita em pleno século XXI, a concepção de trazer Jacobina e seus amigos a contemporaneidade é de uma sagacidade ímpar.

Nada raso, tudo vivo, simpático e irreverente. Os jovens usam um vocabulário rico, formal e valorizam a Língua Portuguesa, é um respiro, uma fagulha de esperança diante do caos.

Dá orgulho ouvi-los. A palavra “potência” anda muito costumeira, causa até certa irritação, mas é impossível negá-la quando se fala da obra Experimento Espelho 2.0.

Em alguns momentos a sensação é de que não estão representando, tamanha naturalidade, ou destreza cênica. Sensacional! Um dinamismo admirável.

Profético dizer que um novo estilo teatral nasce, com frescor e tão original quanto o próprio Machado de Assis? Como ele, totalmente despreocupado das modas literárias de seu tempo.

E quando se pensa em um dos atos que seguirão uma certa formalidade, eles interrompem a cena com uma dinâmica incrível. Inúmeras cenas muitíssimo bem filmadas e idealizadas. Tomadas que surpreendem os espectadores. Uma fotografia divertida e harmônica ao texto.

Menções de Shakespeare, “Romeu e Julieta” e de Caetano Veloso, os atores brincam e deixam explícito o embasamento cultural, que sustenta este audiovisual de conteúdo primoroso.

O trançado entre Jacobina de Machado de Assis (em sua farda) e o opositor à guerra do Vietnã, Bob Dylan, renderia uma boa prosa.

E mais uma vez os três costuram a trama com habilidade de ave de rapina e com uma visão de longe alcance enlaçam a fragilidade comportamental da atualidade, tão superficial. Mencionam Tik Tok, Lives e a solidão que habita o mundo virtual, tão deliciosamente sarcástica e real.

Cenário e figurino usuais combinam com os Jacobinas de dois mil e vinte um. Mesmo sabendo que devido a posições mais restritas a voz do ator fica acometida, os gênios da lâmpada mágica encontram a fórmula exata e trazem uma sonoridade sedutora. Diafragmas mágicos!

Excelente execução nos movimentos virtuais. Fica difícil tecer avaliações aos artistas da companhia Núcleo Instável, é preciso caráter adâmico para tal proeza, poderia dizer que são categóricos e não são finitos.

Não existe melhor colocação que no discurso inaugural de Machado de Assis ao assumir a presidência da Academia Brasileira de Letras e que esses jovens atores cumprem como profecia:

“Passai aos vossos sucessores o pensamento e a vontade iniciais, para que eles os transmitam também aos seus, e a vossa obra seja contada entre as sólidas e brilhantes páginas da nossa vida brasileira.”

Que a dimensão desses artistas contagie a todos e reverbere em obras competentes como essa, para contribuir com a humanidade e exorcizar a hostilidade inculta que habita cada um!

EXPERIMENTO ESPELHO 2.0

Temporada até 21/3
Sextas, sábados e domingos, às 21h
Classificação: 12 anos
Ingresso gratuito
Acesse para assistir: nucleoinstavel.com/aovivo

FICHA TÉCNICA ESPETÁCULO ON-LINE

Criação e adaptação para versão online:

Núcleo Instável – André Zurawski, Marcelo Moraes e Thomas Huszar

FICHA TÉCNICA DO ESPETÁCULO ORIGINAL (2017)

Adaptação: “O Espelho – Esboço de uma nova teoria da alma humana” de Machado de Assis

Texto: André Zurawski, Marcelo Moraes e Thomas Huszar

Concepção e direção: André Zurawski, Marcelo Moraes e Thomas Huszar

Orientação: Luiz Fernando Marques

Elenco: André Zurawski, Marcelo Moraes e Thomas Huszar

Cenografia e direção de arte: Nina Farkas e Paola Ornaghi

Arte gráfica: Nina Farkas

Fotos: Cacá Meirelles e Ricardo Oya

Fotos divulgação