Nossa dor Afegã

Depois da alegria olímpica, na entre safra esportiva entre este evento e a paraolimpíadas, muita tristeza tem chegado até mim. Desde a ocupação da capital Cabul, pelo Talibã, o Afeganistão tem me levado a refletir intensamente sobre um jargão muito utilizado pelo senso comum: “O fim justifica os meios.” Será? Seja por quaisquer motivos que forem as questões, de cunho político, religioso, ideológico, a violência por si só já é algo para mim de difícil digestão. A violência, as armas, as guerras, os confrontos, sempre me remetem ao processo de desumanização que percebo na sociedade desde o início de seu período evolutivo. Se de um lado, muitas conquistas relevantes em todos estes âmbitos citados aconteceram a partir de situações violentas, por outro lado reside em mim uma reação avessa à dor, ao ferimento, ao ataque, sobretudo quando se dão entre seres de uma mesma e única raça: a humana.

No entanto, nestes últimos dias a dor tem sido mais intensa, talvez porque no meio de tudo isto, vejo majoritariamente prejudicadas as mulheres afegãs. E nesse momento, a sororidade grita, latente, e a dor da impotência escorre por minhas veias, meu corpo, meu pensamento. Longe de mim, qualquer tentativa de tecer posicionamentos políticos, não é meu mote neste espaço. Mas me dói e me corrói ver os avanços duramente conquistados pelas afegãs, em seus direitos básicos, serem arrancados, amputados em sua integralidade.

A cada reportagem, a cada entrevista, quando as vejo desnorteadas por não poderem mais estudar, trabalhar, andar de bicicleta… Imagino a dor de cada uma delas. Nem posso conceber o que seria um grupo armado invadindo uma casa e “pegando” pré-adolescentes para ofertá-las em casamento. Não consigo imaginar como seria a vida sem estudo, sem leitura, sem trabalho e coberta por uma burca. Paro para pensar que isto é pior do que morrer. É apagar a essência humana em sua totalidade. Não ter acesso à cultura, não produzir nada fora os afazeres que são para servir os homens, não andar na rua, não sair de casa sozinha, essa sequência de nãos me soa quase como invisibilizar a cidadã.

Ser invisível contra a própria vontade é algo surreal demais. Será que não se dão conta de que todo este comportamento feminino, em nome de uma fé, só teria valor a título de oferta? Não tenho o direito de julgar a religião e a crença de um povo, mas me parece inconcebível que o exercício e expressão dessa fé não possam ser uma decisão individual. A retirada do livre arbítrio da mulher afegã, não pode ser naturalizada.

Minha coluna não aborda os aspectos políticos e diplomáticos que se fazem imprescindíveis neste momento. Resta-me apenas rogar para que haja tempo de retirar o maior número possível de pessoas, das que desejam de lá sair. Que países não levantem muros, mas abram fronteiras. Que os refugiados e refugiadas possam encontrar sua liberdade pessoal e intransferível (pelo menos deveria ser) num ambiente de acolhimento, oportunidades e sem discriminação. Que as mulheres afegãs que conseguirem alcançar esta liberdade, possam ganhar voz, ganhar espaço, em todas as nações onde estiverem. E mais, que suas vozes sejam engrossadas e fortalecidas por mulheres como nós, brasileiras, que apesar de todas as dificuldades que vivemos em nosso país, podemos (pelo menos por enquanto) nos posicionar. A sororidade é emergente internacionalmente, agora. Porque o que elas (as afegãs) sentem, precisa se transformar em: NOSSA DOR AFEGÃ.