Não quero saber se você gosta de política

Amigo e amiga, se você assistir aos noticiários, que chance terá de gostar de política? Vou além, que sentimento terá? Será que conseguirá, ao menos, acompanhá-la com interesse? Difícil, né?

O problema é que a situação da UERJ, universidade pública de cunho mais popular do Rio de Janeiro, não é casual ou de gestão, como se diz por aí. É um problema político. Aliás, quem disse que gestão não passa pela política? Vejamos dois aspectos: 1º a UERJ foi pioneira na política de cotas. 2º a UERJ sofre com corte de verbas e não repasse de verba por parte do governo. Ambos os fatos são decorrentes de ações dos gestores públicos, no caso governador do estado, orientados, não por questões técnicas, mas por decisões políticas.

E sua saúde como vai? Se você tem cerca de 50 anos e é de classe média, posso apostar que nasceu e teve seu atendimento médico nos primeiros anos de vida em hospital público e agora sofre para pagar o plano de saúde. Acertei? Por que será que na sua infância não se ouvia falar de plano de saúde e agora ele está absolutamente incorporado no orçamento familiar? Será que a saúde pública foi se mostrando inviável ou a sequência de gestores que tivemos optou pela lógica privatista deixando de investir na rede pública favorecendo, automaticamente, o crescimento da rede privada?  (Opção política)

Aproveitando esse raciocínio, ainda você, com estes 50 anos e de classe média, que se alfabetizou e estudou na escola pública, onde seus filhos estudam? Não preciso continuar o raciocínio, né?

E agora, depois de tanto tempo trabalhando, está pensando na aposentadoria? Quando se dará? Falta quanto tempo? Não sabe mais? Mudou? Por quê? Você acredita mesmo que foi por uma questão técnica? Você acha que fizeram contas e viram que assim, como propõe a reforma da previdência, ficará melhor para todos? Pois a mim parece que se trata de uma questão política. De uma decisão política norteada, como todas, por uma concepção ideológica. Isso mesmo, uma decisão que reduz o campo de assistência aos mais necessitados e transfere o capital recolhido pela previdência para o setor privado, favorecendo a capitalização e, consequentemente, o setor financeiro. Isso, os bancos.

Esta decisão passa por uma concepção de mundo, de sociedade. É orientada pela perspectiva de sociedade que se deseja. Por isso uns votaram a favor da reforma e outros, contra. Porque pensam diferente e desejam mundos diferentes. Isso é normal. Isso faz parte da política. E isso, acima de tudo, interfere na sua vida.

Perceba, portanto, que política é mais do que gostar ou não gostar. É necessária. É vital e deve ser acompanhada e exercida. Não apenas em cargos públicos e eletivos. Não apenas como eleitor de quatro em quatro anos. Mas como cidadão. Como alguém que sabe a diferença entre colocar sal ou açúcar em sua comida. Alguém que se interessa por essa diferença porque sabe que de sua consciência resultará o que comerá. Como um pedreiro que ao saber preparar o cimento e a melhor forma de empilhar os tijolos, constrói, conscientemente, seu futuro.

O que me impressiona nisso tudo (dentre tantas coisas) é justamente a forma que a imprensa, de modo geral, aborda a política. Um amigo sempre dizia: avião que voa não é notícia. Sim, parece haver uma intenção declarada de nos afastar da política. De nos fazer crer que ela é, essencialmente, suja. Irreversivelmente corrompida. E assim se constrói uma ideia positiva de alienação. Nos afastamos da política. E assim ela vai, cada vez mais, se tornando mais difícil de mudar.

Pois saibam, essa linha de abordagem midiática da política, também não é casual. Também é um ato político.

Termino, inevitavelmente, me lembrando dos versos do dramaturgo alemão, Berthold Brecht.

“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala e não participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro, que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política. Não sabe o imbecil, que da ignorância política nascem a prostituta, o menor abandonado, o assaltante e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e bajulador das empresas nacionais e multinacionais.”  Berthold Brecht