Menina moça, menina mulher

Considerada uma das últimas fases da conturbada e intensa puberdade, menarca é o nome dado à primeira menstruação da menina. Habitualmente, quando isso ocorre, a primeira coisa que a família declara é: “Ficou mocinha!” As palavras são recebidas com um misto de alegria e curiosidade. Alegria, porque os adultos quando as professam, deixam passar um “quê” de orgulho e satisfação, e curiosidade, porque nem sempre os comentários vêm acompanhados das explicações pertinentes a essa mudança. As condições e situações relativas à sexualidade feminina, não raramente, são envoltas em tabus que dificultam uma abordagem mais esclarecedora, a fertilidade e a possibilidade da reprodução humana advindas na chegada do primeiro ciclo menstrual, acabam sendo arroladas nesse silêncio.

Uma prova disso está inclusive na última menstruação feminina, que é chamada menopausa, e a maioria das mulheres só descobre o que esse nome representa quando atinge o climatério, esta sim, a nomenclatura correta para a etapa, que compõe a transição entre o período reprodutivo e o não reprodutivo, ou seja, a pós-menopausa.

Mas retomemos a menina mocinha, que acaba de menstruar. Às vezes isso acontece num momento em que ela ainda brinca de bonecas, outras vezes quando já está despertando o interesse pelo prazer e pelos assuntos da adolescência. A idade mais comum para ocorrer essa mudança é entre 10 e 15 anos, mas toda regra tem exceção. Todavia, o que me leva a escrever esse artigo é outro motivo. Recentemente, assisti estarrecida, uma menina de 10 anos, abusada pelo tio e grávida dele, ser exposta às críticas, julgamentos e xingamentos dirigidos ao profissional, que realizava o procedimento de interrupção de sua gravidez. Procedimento médico claramente previsto na legislação brasileira.

A exposição da menor foi possível graças ao fanatismo e radicalismo de grupos políticos e religiosos. Não bastasse o episódio lamentável ocorrido do lado externo ao hospital, ainda tive o desprazer de ler vários comentários maldosos e nojentos nas redes sociais. O que leva uma pessoa, por exemplo, a dizer que a menina “gozou por 4 anos, e só com a gravidez resolveu reclamar?”, ou ainda, “4 anos sendo estuprada e não falou nada, será que é tão inocente assim?” e por aí vai, cada comentário pior que o outro.  Gostaria de perguntar aos autores dos mesmos se já, em algum momento, tentaram colocar-se no lugar do outro. Será que o glamour do “ficou mocinha”, que provavelmente repetem no seio dos seus lares foi esquecido?

Um pouco de pesquisa, na internet mesmo, poderia retirá-los da ignorância e colocá-los a par do perfil da criança abusada. Das dificuldades que envolvem esse quadro de abuso infantil. Da quantidade de crianças, que mesmo falando com os responsáveis, não foram ouvidas. De como se forja a postura do abusador para viver em sociedade. Não julguemos ninguém. É triste demais para conceber julgamentos. Aliás, aos religiosos ainda sugiro que leiam a Bíblia, que professam crer. Nela está escrito que o julgamento só cabe a Deus. E que o amor ao próximo deve ser incondicional. A hora não é de julgar ninguém. O momento é de autocrítica no sentido de compreender o que preciso mudar em minha forma de ser, de modo que contribua para que este tipo de quadro não se repita.

Em meio às várias entrevistas que assisti, retive o relato de uma professora, que levou um susto quando durante a atividade escolar sobre o corpo humano, uma aluna escreveu no lugar da “vagina”, a palavra “biscoito”. O susto adveio do fato de que num outro momento a aluna chegou à escola e fez uma queixa a ela de que “o tio havia lambido seu biscoito” Portanto, ao invés da preocupação com o julgamento, seja ele qual for, façamos a lição de casa: menos eufemismos e tabus para falar de sexualidade com a menina e mais assertividade. Lembre-se sempre, que se um adulto ensinar o que é a vagina e o pênis para uma criança sem deixar claro que ninguém deve tocar nessas partes do corpo fora do momento correto, que será mais tarde, a criança aprenderá “vagina” e/ou “pênis” da mesma forma que aprendeu “boca” ou “nariz”. Nesse caso em especial, a maldade está apenas na “nossa cabeça”.