Incessante busca por novos instrumentos e sons

Estes dias, recebi um vídeo de um músico tocando um serrote. Sim. Destes que temos em casa para consertar as coisas. Era tocado com um arco, como o de um violino. Quero ver o que meu pai vai dizer agora… Ele que sempre me disse que conserto de serrote, era com “S” e concerto de cravo, era com “C”.

Na época da faculdade, no instituto de psicologia da UFRJ, na Praia Vermelha, vi algumas vezes, um amolador de facas, tocando músicas enquanto afiava algo no esmeril. Apesar do serviço ser comum em vários bairros, nunca tinha visto alguém tirar sons tão bem definidos, a ponto de se reconhecer uma melodia.

Para quem não sabe sobre o que falo, trata-se de uma roda de ferro, que parece um monociclo, ligado a um disco de amolar, acionado por pedal, cujo “sobe e desce” se transforma em movimento circular. Empurrando a geringonça, os homens faziam sua propaganda no grito, avisando que amolavam facas e afins.

Essa maneira inusitada de se tirar som das coisas, me faz recordar o que dizem os grandes mestres: a música está na nossa cabeça. O instrumento é apenas uma ferramenta com a qual aprendemos a expressar, em diversos níveis técnicos, o que já existe dentro de nós.

Hermeto Pascoal faz som com vários objetos. Lembro de vê-lo, no programa do Jô Soares, tocando diversos patinhos de borracha que, quando apertados, apitavam. No mesmo programa, ele mostrou uma montagem com diversas sílabas tiradas da fala do apresentador que, juntas, formavam uma melodia.

É muito excitante quando alguém nos surpreende! Uma ideia fora do comum nos faz viajar e entender que os instrumentos de hoje, um dia, foram invenções. Da mesma forma que, as invenções de amanhã, serão baseadas em algo que já existe. E deste “diálogo” surge o aprimoramento e a evolução.

O artista de rua que toca Habanera em diversos copos de água, tem mérito no repertório, no instrumento e na surpresa que nos causa. Afinal, tudo isso é arte: a originalidade, a interpretação, a criação, a maneira de se apresentar, o instrumento usado e o efeito causado no espectador.

Mas, se ele baseou-se no xilofone, esta originalidade poderia ser contestada, pelo simples fato de nada ser, realmente, novo? Ou o fato de juntar as coisas naquele contexto, conta? Penso que existe arte, mesmo na forma de se refazer as coisas e que, pessoas diferentes possam chegar a ideias semelhantes, sem saberem, previamente, sobre o trabalho umas das outras.

Entretanto, já vi alguns “gênios” serem enaltecidos, por criarem seus próprios instrumentos, feitos de canos de PVC. Será que tiveram o insight “do nada” e que nunca ouviram falar no UAKTI, grupo de Marco Antônio Guimarães, surgido na UFBA, que faz isso desde 1978? O baiano Gilberto Gil diria: procurem saber!

Intrigas à parte, existe muita similaridade entre as buscas musicais. E, mesmo havendo muitos instrumentos, as maneiras de se obter o som não variam muito. A harpa deriva da lira. O cravo é uma harpa tocada por pinças, acionadas por teclas, dispostas de forma a facilitar a visualização e o acesso.

Seguindo, chegamos ao piano, que é um cravo tocado com pequenos martelos no lugar das pinças. Depois, ao piano elétrico e ao teclado, que já não têm cordas, mas sintetizam sons, buscando simular em nossos ouvidos e cérebro, os sons dos instrumentos acústicos e nos provocar experiências reais.

Assim, as teclas, que já formavam a interface que unia instrumentos de mecânica bem diferentes, como o órgão, que é feito de tubos que regulam a passagem do ar, e o piano, que é uma harpa encaixotada, tornam-se, em seu coletivo – o teclado – a ferramenta ou a ideia, mais usada no ambiente digital. Desassociado do piano, é a chave de entrada, para se tocar vários sons.

Creio que seu ápice seja o Seaboard, que além de todas as vantagens de visualização das notas e facilidade de acesso e simultaneidade das teclas, consegue ganhar enorme dimensão expressiva, chegando próximo aos sopros e às cordas. Vejam o que é! Procurem no oráculo…

No ambiente virtual, existem aplicativos para celular, que ajudam a aprender teoria, treinar percepção, conhecer letras e cifras de música, tocar e, até mesmo, compor. Um leigo pode criar músicas, a partir de ciclos rítmicos, melódicos e harmônicos. E, acredite, isso é mais velho que os DJ’s e a música eletrônica.

A ideia de que a música pode ser programada é bem antiga. Baseia-se no fato de que, ao se aprender música, estudamos padrões. Sejam musicais, culturais ou mecânicos, percebemos que a música folclórica está cheia de clichês e – entenda – isso não é ruim. Pois nos permite “reconhecer” uma música inédita.

Antigamente, a programação era mecânica. As caixinhas de música, realejos, pianolas, que são aqueles pianos “fantasmas” que tocam sozinhos, são frutos da programação feita em papel perfurado ou metal em alto-relevo e de uma engrenagem movida a corda, motor ou eletricidade, que o fazia funcionar.

A vontade de se buscar novos instrumentos, tocando-os como antigos, de voltar aos instrumentos antigos, abandonando os novos; de buscar música nova, através de padrões ou de tentar quebrá-los, buscando algo novo em folha; de misturar tudo isso ou de querer que tudo esteja, devidamente, rotulado e separado; faz parte de nossa, intrínseca, inquietude. Esta busca nos mantém ávidos e vivos!

Como diria o sábio Buzz Lightyear – “ao infinito e além!” – Até a próxima! Paz!