Harmonize-se!

No momento em que inicio este artigo, milhares de mulheres recuperam-se de procedimentos estéticos feitos na data de hoje. Poderia iniciar listando uma finalista de reality e dar sequência aos nomes famosos e anônimos para compor a relação, mas, considero desnecessário. Muito tenho escutado e lido sobre “harmonização facial”. Não tenho nada contra as evoluções que a medicina estética tem, e sinceramente, penso que muito do que já foi descoberto poderia ter uma tremenda utilidade na vida de pessoas que sofreram tragédias, incêndios, acidentes de trânsito, ou tiveram seu corpo deformado por diferentes razões que incluem a violência doméstica. No entanto, o que me choca é a corrida inexorável atrás da beleza padrão. Mulheres morrem em clínicas de estética com uma frequência razoável e apesar disto, a sensação que tenho é que novas clientes não se intimidam com a repercussão desses casos e subvertem sua saúde a um “segundo plano”, como se a beleza almejada fosse uma condição “sine qua non” em suas vidas.

O gênero feminino é vulnerável às cobranças dos padrões estéticos e aparentemente lidera essa subserviência. Ora o problema é o peso, algumas vezes os centímetros a mais ou a menos, em outras os pelos, e mais recentemente tenho ouvido muito falar da face. Quando era criança, ouvia minha mãe debochando das atrizes ou personalidades que faziam cirurgias plásticas estéticas. Hoje, reconheço que algumas pessoas conseguiram realmente se deformar driblando o envelhecimento. Mas a chegada do botox, do ácido hialuronico e do que mais se proponha a se enxertar na face humana, democratizou os desejos antes realizados mediante caras cirurgias, que acabavam restringidas a uma classe social financeiramente privilegiada. A possibilidade de se encontrar, o aumento de profissionais, que se dispõe a fazer as aplicações (vão desde os dermatologistas aos odontologistas…), as facilidades de pagamento e parcelamento no cartão, tudo isso tem contribuído e muito para o crescimento desse nicho de mercado. Com o aumento da demanda, vem o aumento da oferta, e, igualmente cresce o número de pessoas despreparadas interessadas em incrementar sua renda.

A beleza é algo curioso. Vou apenas compartilhar com vocês algo que sempre me intrigou. Ouvi várias vezes pessoas dizendo em relação a um afrodescendente que ele se destacava, porque era bonito, tinha traços finos, ou seja, nariz afilado, lábios sem volume. Para mim, a beleza africana é justamente o contrário, afrodescendentes de nariz largo, lábios avantajados… esta é, a beleza dessa etnia. Mas a vaidade tem rompido fronteiras e cada vez mais o gênero masculino, pelo menos uma pequena parte dele, ensaia uma perseguição à beleza.

Ontem mesmo vi uma entrevista de um homem do meio artístico que está revertendo uma “harmonização facial” que realizou. Argumento que usou: não se reconhecia após o procedimento. Todavia, o motivo que o levou a concordar com o profissional foram as razões apresentadas. Segundo o profissional, homens bonitos tinham maxilares mais quadrados e bochechas mais destacadas. Quando vamos nos libertar dos padrões? Quem dita o que é ser feio e bonito? Até onde somos coniventes com isto? De que valerá uma embalagem bonita se o conteúdo não for interessante? O que são as rugas? As marcas do tempo? A flacidez da pele? São produto de quem teve, ou está tendo a oportunidade de viver o maior presente que lhe foi dado: a vida.

Muitos de nós, morrem prematuramente, já pensou nisto? Olhe no espelho. Lá você verá um homem ou uma mulher (independentemente de sua orientação), que passou por momentos lindos e por momentos dolorosos. Que adoeceu, se curou, que chorou, foi abraçado (a), que gargalhou livremente e acolheu. Somos o produto do que realmente edificamos ao longo da vida. A casca que nos envolve é só uma casa. Uma casa que às vezes abriga espíritos jovens em cascas com várias décadas e outras vezes cascas tenras carregam espíritos rabugentos como os ditos “velhos”. Quem já não presenciou pessoas que não tinham beleza alguma serem “ENCANTADORAS”? Qual de nós nunca se deparou com pessoas que embora aparentemente lindas (de acordo com padrões) eram “ENFEIADAS” pela sua arrogância, prepotência ou soberba?

De real e previsível ficam somente duas certezas: a primeira é que este corpo “reformado ou não” voltará ao pó e a segunda é de que para deixar nosso legado é preciso nos HARMONIZAR com outro tipo de beleza, a BELEZA INTERIOR. Essa sim, poderá iluminar o dia dos outros e o nosso, e mesmo após sucumbirmos e nos cobrirem de terra, ela iluminará os corações e os rostos daqueles que a receberam como nosso legado.