Eternas meninas

“As Meninas Velhas” é um espetáculo lindo, uma obra que permite aos espectadores sonhar de olhos abertos. Quanta delicadeza essas atrizes trazem ao palco italiano, uma beleza inquestionável, a vontade é de assistir diversas vezes, para mergulhar em cada segundo, em cada detalhe.

Corina (Nadia Nardini), Zuleika (Lucinha Lins), Norma (Barbara Bruno) e Edith (Divina Valeria) são quatro amigas da vida inteira que se encontram todos os dias na casa de uma, de outra ou no banco da praça vizinha. Dependendo do dia, tem jogatina ou lanche coletivo. Nesses encontros, as meninas, na faixa dos sessenta, discutem a vida e compartilham alegrias e tristezas: nascimentos e mortes, casamentos, separações, moradia, doenças, coisas do dia a dia. A vida das quatro amigas vai se modificando conforme o tempo vai passando, e se transformando até que chegam ao momento final. Mas, para elas tudo é transitório, uma transformação para outro estágio onde elas continuarão sua jornada. (Sinopse)

E nessa transição na vida das personagens, viajar é possível. Uma plateia de cabelos brancos viaja com as quatro moças, com gargalhadas irreprimíveis. Um alívio para essa parte da sociedade, que tanto temeu a esse vírus maldito, merecedora desse presente do Teatro vindo com “As Maninas Velhas”.

No entanto, engana-se quem pensa que a obra é indicada apenas a pessoas da melhor idade, muito ao contrário, todos se encaixam bem no contexto, pois como já foi dito na sinopse, há uma transição, elas resgatam as memórias do passado, histórias de suas juventudes e do que viveram em cada fase da vida.

O texto de Claudio Tovar é envolvente, além do satisfatório, pode-se considerar potente. A vida tem sua trajetória e não se pode esquecer o que viveu, as experiências não devem ser apagadas, porque é vivendo que se aprende, tanto com os bons momentos, como com os ruins. Fragmentos de uma história, que constroem o que a pessoa é e toda sua história.

Um texto contemporâneo, uma dramaturgia inquestionavelmente bem elaborada, atemporal, com os monstros que todos enfrentam ao longo da vida, de joanetes a osteoporoses. Mas, todos desconstruídos com leveza e graça durante as narrativas.

A direção de Tadeu Aguiar é impecável, seu olhar traz uma beleza visual admirável à montagem. Parece que foi tudo minunciosamente desenhado.

A harmonização do espetáculo, milimetricamente traçada, sob a notável direção de Tadeu, uma delícia de obra.

Dani Sanches assina a iluminação, que não passa desapercebida, um trabalho intenso e belíssimo. As cores remetem à plateia ao encanto visual que pretendido. Cores vivas, com nuances inesquecíveis.

A trilha sonora de Claudio Lins veste o espetáculo como uma luva. Nutre e valoriza as cenas, dando consistência, tudo bem refinado. Claudio Sanches e música são uma coisa só. Não existe outra forma de defini-lo, quem o acompanha, entende bem esse o olhar crítico.

Cenários, figurinos e adereços são de Claudio Tovar.

O cenário suficiente, nada grandioso, mas como dito, suficiente para que as memórias sejam contadas. Uma montagem que não duela em nenhum momento com a tríade cênica: ator, texto e espectador.

Claudio, como cenógrafo, soube dar às atrizes o espaço cênico na medida certa, ele foi preciso quando entendeu o que realmente precisava ter holofotes. Foi magnânimo.

Os adereços de Claudio Tovar levam os espectadores à ânsia de invadir o palco e “furtar” os objetos que compõem as cenas, da bolsa utilizada por Lucinha Lins ao bolo de aniversário da divina Valéria.

Flores, muitas flores dão alegria e vida, tudo está vivo no palco.

Claudio esteve na Casa de Cultura Laura Alvim, em 2018, com a exposição Ícones do Brasil, e quem assistiu ao espetáculo notou a sua assinatura, sua identidade, se ele estivesse em 1922, não seria um grupo de cinco, mais de seis modernistas, porque ele carrega uma identidade legitimada. Essa mesma identidade construiu sem mesmice “As meninas Velhas”, mas com toques e nuances pertencentes ao artista Tovar.

Os figurinos estão perfeitos (adoraria escrever as letras em caixa alta, mas no jornalismo isso é o mesmo que gritar)! As indumentárias estão multicoloridas e formidáveis, um mergulho na moda das épocas revisitadas pela dramaturgia.

De “Alice no País das Maravilhas” ao espetáculo “Uma Noite de Verão”, com a belíssima Titânia, de Shakespeare, e pasmem, a “Julieta do Romeu” também esteve no palco, Teatro na veia, Shakespeare iria adorar, o figurinista não poupou criatividade. Os figurinos são de embasbaca qualquer um. É de parabenizar initerruptamente!

Teatro cheio, o que se explica com facilidade: mãos habilidosas de 4 mocinhas incrivelmente talentosas.

Barbara Bruno está divertida e bem moderninha, imensa no palco. A vida parece sair dela, que faz exatamente o que sua mãe um dia lhe ensinou e exemplificou. Com a licença do autor Claudio Botelho, Barbara parece ter entendido o canto da grandiosa Nicete Bruno, no musical “Pippin”, quando a letra dizia: “Vai, que a vida é só uma… Vai se bagunçar, depois a gente te arruma. Vai sem pensar, porque não tem talvez. Viver é só uma vez”, ela, como filha e admiradora acelera sem freio, ri e faz rir, parece estar arrumando a bagunça desse momento catastrófico em nossas vidas, digna de muitos aplausos!

Divina Valéria encantoa com caras e bocas e um tom de voz que chama a atenção de todos, poses divertidas, com a coluna ereta, uma senhora cheia de majestade. Uma mulher do seu tempo, e parece dar as boas-vindas à idade da personagem que encena, tão natural, não parece estar atuando. Uma fonte inesgotável de performance de excelente qualidade.

Nadia Nardini interpreta Corina, a “cocota religiosa”, que se perde entre “um tapinha” e outro no “baseado”. Corina traz ao espetáculo um momento cheio de sonoridade, de vida, de respostas do tempo aos corpos e também um texto carregado de inteligência, em um delírio fascinante. Corina está absolutamente linda e impactante.

Lucinha Lins é Titânia, Julieta, Édith Piaf, Bibi Ferreira, viúva e Zuleika. Que maravilha essas encarnações que trazidas por ela ao palco!  Mesmo não sendo um musical, a plateia explode em palmas após sua pequena encenação de Piaf. Lucinha, sempre Lucinha. Está bravíssima, além de uma beleza, que não a deixa mesmo com o passar do tempo, a beleza insiste em morar naquele corpo!

Ah! Tovar, volte sempre ao Teatro, você sempre será o “Dzi Croquette”, artista colorido, com identidade artística nascida na semana de 22 e que pousa mais uma vez, em 2021.  Será sempre bem-vindo por sua imensidão artística!

Assistam a esse espetáculo imperdível, hoje é o último dia, e para sorte dos que estão longe, dia 31 de outubro também será transmitido on-line e gratuitamente. Não percam!

FICHA TÉCNICA

Texto: Claudio Tovar

Direção: Tadeu Aguiar

Elenco:

Barbara Bruno / Norma

Divina Valéria / Edith

Nadia Nardini / Corina

Lucinha Lins / Zuleika

Assistência de Direção: Flávia Rinaldi

Cenários, Figurinos e Adereços: Claudio Tovar

Iluminação: Dani Sanchez

Trilha Sonora Original: Claudio Lins

Registro de Ações: Calabouço

Projeto Gráfico: Thiago Detofol

Assessoria em mídias sociais: Bia Tovar

Cenotécnico: J. Faria

Costura: Nice Tramontim

Coordenação de Produção: Eduardo Bakr

Produção Executiva: João Lins

Assistência de Produção: Di Calafiori

Produção Geral: Sempre Mais Produções Artísticas Ltda

Realização: Sempre Mais Produções Artísticas Ltda

Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação –  João Pontes e Stella Stephany

 

AS MENINAS VELHAS

Último dia, hoje (31/10), às 19h

Acesse https://www.youtube.com/TeatroPrudential

Classificação 16 anos

Duração  75 min