E nasce o ‘Teatro Pandêmico’

A sociedade brasileira atravessa um dos piores momentos, o setor econômico sofre perdas impactantes e, obviamente, isso respinga fortemente no setor cultural.  Mais uma vez, a arte paga um preço altíssimo. O primeiro setor a parar e muito provavelmente o último que retornará às atividades presenciais. Enquanto isso quem vive de arte se reinventa e mesmo diante do caos, os artistas desabrocham em criatividade, porque essa é uma das maiores características dos artistas brasileiros, principalmente os cênicos.

Sidnei Oliveira é um artista completo e parece oferecer um estilo cênico não habitual, que arrepia os amantes do teatro clássico. Diante da falta de patrocínio, ele mesmo se encarregou do processo criativo dos figurinos e dos cenários muitíssimo inovadores, parece estar em plena forma criativa. São inúmeros os trabalhos que chamam a atenção do espectador, principalmente aos que acompanham o “novo teatro” de suas casas.

Longe do clássico, Sidnei mergulha também na coragem para realizar seus projetos nada convencionais. O mundo do Carão — a novela de um capítulo — o novo trabalho disponível do artista. O texto da década de noventa foi vencedor do I Festival Internacional de Humor do Rio de Janeiro, em 2008, no teatro do Jockey e foi encenado no teatro Rival, no Rival Rebolado, com o Buraco Show.

Com a pandemia, sem edital e sem fomento financeiro, Sidnei permeou a obra para o virtual.

O espetáculo tem treze minutos com inúmeros personagens encarnados pelo mesmo artista, “takes” diversos e narrativas curtas. Relevante é o português, que se apresenta de maneira formal e chama a atenção dos apreciadores da Língua-mãe.

Todos os personagens são levados à Era Medieval, ao Reino do Carão, os nomes dos personagens são marcas de cosméticos, que também são concorrentes entre si.

Feitiços à santa Natura e mortes provocadas por envenenamento de “pancakes” e batons, fazem parte da trama. As caracterizações são divertidíssimas. Tudo muito colorido e alegre.

A trilha sonora é composta por músicas medievais instrumentais. É possível reconhecer o som do Alaúde e da Viola de roda.

O artista é fã do estilo “Trash”, do cineasta John Waters, novelas mexicanas e Edward Wood.

O estadunidense Edward Wood fez o filme considerado um dos piores do mundo, “Plan 9 from Outer Space” (1956), seus trabalhos se destacavam pela inventividade, frente aos limitados recursos que tinha. Assim sendo, fazer uma releitura do trabalho desse artista brasileiro é bem mais interessante.

John Waters apresenta o estilo tragédia cômica, basta assistir ao seu trabalho “Polyester” para entender um pouco mais. Por mais engraçado que pareça ser, existe uma realidade que degrada o ser humano e isso fica perceptível para quem o acompanha, o “Trash” e o transgressivo sempre presentes. O cineasta chamou muita atenção inicialmente, por trabalhar com condenados e gente que para a sociedade da época “não tinha boa reputação no mercado”. Até que um dia chegou a Broadway…

Irma Vap nasceu do Teatro do Ridículo, e é até hoje o maior sucesso de público da história do teatro brasileiro.

O ator para execução da novela contou com Thaísa Violante, atriz, aderecista e bonequeira com mais de dez anos de experiência. Com uma estética definida e vibrante, por onde passa deixa seu rastro, sua marca registrada, que é o encantamento.

As indumentárias divertidas foram bem criadas, remetem à época, tudo muito cru, admirável.

Entre coroas, túnicas, véus e muita criatividade, o “novo teatro” chega trazendo respiros e risos, vale lembrar que nem todos gostam de Picasso, Monet, Wilde, Fiódor, Woolf entre outros seres humanos em sua essência mamífera, estupefata, mutante, inexata.

O MUNDO DO CARÃO – A NOVELA DE UM CAPÍTULO

On-line e gratuito

Disponível 24 horas na plataforma Youtube

Assista: https://youtu.be/AEsjRuOcGNs

FICHA TÉCNICA

Sidnei Oliveira: ator, autor, caracterização e edição

Sidnei Oliveira e Thaísa Violante: figurino e arte

Thaísa Violante: fotografia

Manipulação de bonecos: Yuki Kahu

Desenho de som: Arthur Ferreira

Trilha: Lucio Zandonad e Sidnei Oliveira