De arrepiar a pele

Há bem pouco tempo ouvia-se da boca do povo a frase: “elas que lutem!” A unanimidade é burra, já dizia Nelson Rodrigues…

Quando nos unimos por uma causa, luta-se com mais potência, com novos olhares e expertises. Evidentemente, que o documentário musical sobre “Elas”, em cartaz no Teatro Claro Rio, já é sucesso de público e crítica, impossível não ser! “Elas Brilham” é um primor de espetáculo, um trabalho perfeito, sem arranhões!

O “Doc Musical Elas brilham” é a experimentação de um novo gênero cênico que une ferramentas de documentário, Teatro e música para contar a história de grandes momentos da humanidade. O musical não apresenta a biografia de nenhum artista, mas traz um olhar coletivo, sobre um grupo, algumas épocas no espaço tempo, onde a música é a grande protagonista. A utilização de material de arquivo (fotos, vídeos e depoimentos reais) somado a cenas, textos e canções cantadas ao vivo pelos atores, é um dos recursos adotados para que o público tenha a oportunidade de reviver fatos históricos e descobrir, por exemplo, a verdadeira origem das músicas de sucesso da época, como elas surgiram, em que contexto foram criadas e como afetaram a vida do artista e da geração que o acompanhou.  (Sinopse)

Frederico Reder, um verdadeiro visionário, dirige o trabalho, assertivo e pelo visto é o protetor desse tesouro apresentado no palco do Teatro Claro Rio. Ele, mais uma vez, se uniu a cinco fazedores de arte (e muitos outros talentos) de estilo e profissionalismo inquestionáveis.

Dentre eles, durante a pandemia estiveram dando aulas através do Teatro Claro Rio, dividindo conhecimentos, trocando com afeto o que aprenderam em suas trajetórias, tudo feito com afeto, foram horas de duração e mostraram mesmo distante dos palcos que nasceram para eles!

Marcos Nauer assina o roteiro, mas foi muito além dessa função. Marcos é um excelente pesquisador, mergulha fundo para trazer conhecimento e informação à sociedade. Mostrou entender de representatividade feminina, por meio dessa riquíssima obra. Mais uma vez provou sua capacidade para desenvolver qualquer tipo de texto, roteiro, o que for! Não seria presunçoso afirmar que estamos diante de um dos melhores estudiosos da história artística e musical do país. Nauer é potente, criativo, dedicado, estudioso, e isso faz com que seus trabalhos reverberem até os céus, pois é exatamente para onde ele nos leva! Nauer está muito longe de ser alguém que escreve somente para o Teatro. Neste musical, ele conta a história, apresenta fatos vivenciados por mulheres, não só as verdades das artistas representadas no palco, mas das mulheres por detrás de cada uma delas. Um verdadeiro transbordo de informações sobre os direitos alcançados e as vitórias femininas. Isso leva os espectadores a reconhecerem a força das mulheres.

Natalia Lana, já conhecida nesta coluna, assina a cenografia, e é lógico que deu certo! A cenógrafa é indubitavelmente uma das profissionais mais requisitadas do Teatro atualmente. Em “Elas Brilham”, o cenário potencializa a força das mulheres no Brasil e no mundo. Como sempre, exata em suas belíssimas montagens! Luz e vivacidade, que não deixam piscar os olhos!

Jules Vandystadt é o diretor musical, pelo visto não basta a ele ser um homem lindíssimo, também esbanja competência! Ele é o responsável por trazer as vozes de sete atrizes ao público. Jules é um profissional gentil, competente que entende bem de como abastecer uma obra com requinte, pode-se dizer com maestria. Ele toca, canta, trabalha com afinco para obter bons resultados, e os resultados são sempre majestosos!

O coreógrafo Vitor Maia é responsável pelos corpos que dançam e seduzem. Ele é impecável e parece entender o que a plateia espera. Maia, embora jovem ainda, tem um currículo experiente, devido ao seu trabalho de corpo, sempre bem elaborado e enriquecedor aos olhos de quem assiste. Sabe dar o equilíbrio certo aos corpos, que bailam em perfeita harmonia com as músicas apresentadas.

Bruno Perlatto integra a equipe desde o Doc 60! A década de arromba! As indumentárias que ele apresenta são luxuosas, deslumbrantes, destacam as artistas e elevam o espetáculo a outro patamar. Quando uma das atrizes apresenta Byonce, o figurino ao encontrar a luz transforma a atriz em um refletor humano, isso é bárbaro! Todas os figurinos assinados por ele são de bom gosto, do Samba à Música Popular Brasileira ele brinca! Também não foi diferente no espetáculo em que troxe a representatividade dos anos setenta, com muitas plumas e cores. Perlatto e sua equipe de costureiras merecem reverência pela criatividade, pelos acabamentos bem feitos, impecáveis vistos da plateia. Perlatto faz-se inesquecível, por intermédio de seu trabalho.

Teatro no final de um domingo lotado? Impressionante! Não cabia uma alma viva lá dentro. Isso porque são realmente bons e estavam dispostos a apresentar o melhor ao público. Não importa o valor do ingresso, sempre vai lotar! Também não importa se você não tem o valor para comprar os ingressos, a produção dá acessibilidade por meio de ongs que trabalham a formação de plateia! Essa equipe sabe fazer Teatro, entendem que a Cultura é para todos!

Orgulho para o Brasil ter profissionais como esses, brasileiros competentes! Há garantia de sucesso, porque agem com legitimidade! Não basta ter patrocínio para montar um espetáculo dessa envergadura, é necessário ter mãos artísticas trabalhando nele, é o caso dessa excepcional ficha técnica, não só em “Elas Brilham”, mas em todas as obras que essa equipe já produziu!

O que esta obra apresenta à sociedade? A força das mulheres é exaltada e a importância da sonoridade. Em um momento, uma das atrizes fala sobre Ella Fitzgerald, que foi apoiada por Marlyn Moroe, e como isso mudou a vida da imensa Ella!

Trata-se realmente de um espetáculo necessário. Há fogo, força, identidade, personalidade e acima de qualquer outra coisa, reconhecimento a todas elas! A essas divas cabe a homenagem… Falemos das sete estrelas!

Ivanna Domenico, misericórdia senhor! A atriz entra como Angela Maria, cantando Babalo. Senhor do céu e da Terra, ela é aclamada, ovacionada! Todo o teatro emudece para ouvi-la.

Aliás, o diretor deixa claro que além de filmar, pode-se cantar com elas, mas embora a maioria das músicas seja nacional, o impacto que causam, cala! Fica todo mundo embasbacado!

Ivanna vem belíssima também como Janis Joplin. Quem conhece a atriz sabe o quanto o Rock combina com ela, e simplesmente souberam aproveitar esse dom. Todos ficam estupefatos diante de sua potência vocal. Ela está no lugar certo, é uma estrela!

Ludimillah Anjos saiu da Bahia para sorte dos cariocas, parou por aqui e nem precisou do corpo da rainha Pop Byonce para dançar e cantar como uma leoa, defende seu trabalho com ousadia, e quando abre a boca, enfeitiça. Quando grita “faraóóó”, música que só veio para as rádios, após seu sucesso na boca do povo, alucina a plateia! A atriz deixa claro, que para estar naquele palco, não precisa estar de acordo com as imposições da sociedade (em decadência — porque o mundo está mudando), basta ser boa, não precisa ser rainha, precisa saber reinar!  E ela reina absoluta.

A bela e poderosa Sabrina Korgut, que acaba de ser indicada ao prêmio de melhor atriz da Cesgranrio, traz Madonna entre muitas outras, mas a música “Like a Prayer”, na voz dela e pelo corpo, ganha força. Ela é sexy, sabe sensualizar, seus belos músculos corporais exalam graciosidade. Sabrina conta também com muita beleza a história de Rosa Parks, a mulher preta que não aceitou levantar-se do banco para um homem branco dentro de um ônibus, tornou-se símbolo do movimento pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos. Ela leva à plateia às lágrimas! Nesse momento, a atriz com quem Sabrina duela canta Aretha (You Make me Fell). A Natural Woman, Débora Pinheiro, por sua vez, levanta uma das mãos, símbolo dos Panteras Negras, movimento negro do grupo revolucionário, que defendia o fim da injustiça social e da desigualdade. O mesmo gesto que levou Tony Tornado à prisão, após se apresentar ao lado de Elis Regina, no Maracanãzinho, em 1971.

Sabrina é belíssima e competente, cada movimento parece milimetricamente orquestrado. Debora Pinheiro está arrebatadora, não só ela, mas a irmã também, duas divas! Thalita Pertuzatti também integra esse elenco estrelar, as irmãs são muito mais do que a plateia espera. São fortes e têm presença de palco. Chamam atenção quando apresentam as sambistas, a senhora Ivone Lara e a inesquecível Clementina de Jesus, a senhora que descolonizou a música! Clementina é sinônimo de resistência negra, a eterna Quelé!

E quando cantam o canto das três raças, quebram a alma de qualquer espectador que entenda de música. O figurino de Perlatto também contribui muito com a cena. Deus do céu, que espetáculo!

Também rainha, Jullie, que interpreta Elis, bela e tão visceral, ela canta com a alma… E quando traz Elba, fascina. Usa da licença poética com formosura. A atriz conta a sua história com o Teatro, como a mãe abriu o caminho e certamente como ela sabia o que estava fazendo. Dimensão espiritual é o que se pode dizer dessa trama familiar, algo além do entendimento comum. Porque são grandiosas as interpretações da atriz!

Vamos à querida Diva Manner, a intérprete da diva Tina Tunner. “Força física de mulher. Eu sou isso”, frase da eterna rainha do Rock! Diva que é mesmo diva não sabe o que é um borrão, não sabe o que quer dizer tropeço, erro, ou algo nesse sentido. Dona de um vozeirão absurdo e de uma beleza física incontestável! Uma mulher que passou por transição, enfrentou e enfrenta todo tipo de preconceito, agora está onde sempre deveria estar, em uma constelação! Diva Manner canta, dança e exala feminilidade. Sexy e audaciosa, atriz e cantora, ELA é uma MULHER inesquecível!

Os músicos da banda estão absolutamente conectados às estrelas no palco, mãos que agem com precisão e respeito à música, artistas de ponta, dignos de reconhecimento, donos da cadência perfeita!

São muitas mulheres trazidas nas projeções de vídeo: a primeira mulher no espaço sideral, mulheres de todas as tribos, a heroína de guerra Maria Felipa, Maria Carolina de Jesus, Fernanda Montenegro, Anitta, Preta Gil, Ivete, Aretha, Ella, Elza, as rainhas do rádio, Carmem Miranda e tantas outras, um verdadeiro bálsamo, ali estão mulheres que fizeram a diferença!

O espetáculo “Doc Musical Elas Brilham” é uma dose de esperança, um verdadeiro renovo, o roteiro, além de belo e educativo, é necessário nos dias atuais!

Como mulher, posso dizer, que me senti honrada de poder desfrutar da história de todas essas mulheres, que a frente de seu tempo, abriram portas para todas nós. Deve-se lembrar e ressaltar a nobreza deste espetáculo. Nós mulheres saímos radiantes, pois nos sentimos representadas e homenageadas, sabemos que isso fortalece a nossa luta, o nosso grito por igualdade, respeito e liberdade.

A essa ficha técnica, um eterno muito obrigado! Por trazer as histórias de nossas Ritas, Pagus, Cássias… por colocar no centro das atenções, com riqueza de detalhes e tanta representatividade, as progenitoras da sociedade!  Vocês são diagnosticamente perfeitos! Um salve ao Doc Musical! Que Broadway que nada… nada mais digno que artistas nacionais no palco, com a potência e a competência que carregam!

Ao chegar no Teatro Claro Rio, o profissional Leo Carvalhares atendeu com toda gentileza, foi preciso, o Jornal Portal agradece!

ELAS BRILHAM – VOZES QUE ILUMINAM E TRANSFORMAM O MUNDO —DOC. MUSICAL

Teatro Claro Rio

Rua Siqueira Campos, 143, 2º piso, Copacabana

Temporada até 28/08

Sextas e sábados, às 17h, domingos, às 20h30

Segundas, às 17h e às 20h30

Última semana: 26 a 28/08, sessões às 17h e às 20h30

Classificação Livre

Duração 100 minutos

Ingressos: Público em geral R$ 37,50 a R$ 18

Clientes Brasil Preve R$ 37,50 a R$90

Vendas pela plataforma Sympla e nas bilheterias do teatro.

https://teatroclarorio.com.br/

 

FICHA TÉCNICA

Elenco: Sabrina Korgut, Diva Menner, Ludmyllah Anjos, Ivanna Domenyco, Thalita Pertuzatti, Jullie e Débora Pinheiro

Diretor: Frederico Reder

Roteirista: Marcos Nauer

Assistente de direção: Rosana Chain

Diretor Musical: Julis Vandystadt

Diretor de Comunicação: Maurício Tavares

Diretora de Arte: Barbara lana

Cenógrafa: Natália lana

Figurinista: Bruno Perlatto

Coreógrafo: Vitor Maia

Iluminadora: Mariana Pitta

Disigner de Luz: Talita Kuroda

Visagista: Adriana Almeida

Produtor Geral: Frederico Reder

Produtor Executivo: Alex Felippe e Luana Simões