Conexões

Letícia amava a liberdade. Desde pequena tinha uma alma aventureira e sonhava com o dia em que poderia sair mundo afora viajando e conhecendo lugares e pessoas diferentes. Amava olhar o novo. Contemplar espaços, paisagens e culturas completamente diferentes da sua. Cada cantinho tinha seu charme, sua peculiaridade e sua história. Cada cidade tinha seu cheiro, seu ruído, seu som e silêncio. Se entediava com facilidade e não costumava ficar mais do que um mês na mesma casa. Às vezes mudava apenas de bairro. Outras vezes mudava de país.

Organizou sua vida de forma que pudesse viver como uma nômade digital. Adorava escrever e aproveitou que bastava um computador em mãos e ela ganharia o mundo de onde estivesse. Escrevia livros contando suas aventuras pessoais e, em outros momentos, mergulhava em contos e poesias lúdicas. A criatividade não cessava nunca, porque os estímulos eram intensos e pareciam infindáveis. Todos os dias, várias janelas de possibilidades se abriam para ela. Não havia rotina, horários e metas a cumprir. O voo era livre.

O tempo foi passando e Letícia começou a se cansar das grandes cidades. Se sentia aturdida e tonta com a explosão de energia e acontecimentos simultâneos que pairavam no ar das metrópoles. Começou a ter preferência pelas cidadelas periféricas com menos alvoroço e burburinho. Gostava como o tempo passava mais devagar nessas pequenas cidades e passava horas a fio em um mesmo café escrevendo sem pressa. O tempo seguiu passando e Letícia começou a perder o interesse também pelas pequenas cidades. Sentiu que o seu desinteresse era, na verdade, pelas pessoas. Pelo ser humano, de forma geral. Não se sentia mais atraída pelas conversas, pelas histórias, medos e desejos humanos. Se alguém se aproximava, ela, disfarçadamente, ia pelo caminho oposto e fingia pressa. Estava cada vez mais introspectiva e, de certa forma, mais insensível. Se sentia triste e desmotivada. Aquela euforia pela novidade, pelos caminhos e destinos imprevisíveis vinham, dia após dia, perdendo força.

Sentiu que era hora de partir para as montanhas. Imaginou que sua vitalidade e felicidade estariam lá. Sentia uma conexão profunda com a natureza e certamente voltaria a ser feliz em um local totalmente isolado do contato humano. Ela não queria e não precisava mais desse contato. Sentia que se bastava só. Ela e a Deusa Natureza ao seu lado. E assim ela fez. Descobriu um local com possibilidade de acampamento e o isolamento era praticamente absoluto. Com seu carro adaptado e muito bem abastecido de mantimentos e provisões para um período longo, ela seguiu viagem novamente, rumo ao desconhecido e ao completo e absoluto vazio humano.

Se instalou em uma floresta com uma vista deslumbrante para um mar de montanhas. O ar era puríssimo e dava para ouvir o som de um pequeno riacho, que passava a poucos metros dali. Aves de rapina davam verdadeiros espetáculos com seus voos certeiros e majestosos. A lua iluminava elegantemente seu espaço e as estrelas eram como punhados de sal aglomerados. O sol nascia escancarado em sua janela e todos os dias ela tinha um espetáculo da natureza viva, pungente e impregnada de fluxos e ciclos ininterruptos e renovadores.

Letícia deu um suspiro profundo e admirava aquela beleza afrontosa com lágrimas nos olhos. Era o lugar mais lindo que ela já tinha visto e ela chorava copiosamente. Só que seu choro não era de alegria. Lá no fundo, no fundinho de sua alma, Letícia continuava triste. E se sentia mais angustiada ainda, porque não conseguia descobrir a causa da sua tristeza! Ela fez tudo que podia! Rodou os quatro cantos do mundo, conheceu os lugares mais incríveis que ela jamais imaginaria poder estar um dia. Viveu aventuras, romances, amizades, momentos intensos e tinha muita, muita história para contar.

Foi quando se deu conta do que a incomodava tanto. Meditou em seus pensamentos e na profundeza de sua alma e encontrou uma resposta. Ela se sentia só. Se sentia completamente sozinha e desconectada de si mesma e do resto do mundo.  Refletiu sobre a frase do filme “Na natureza selvagem” onde o protagonista diz “que a verdadeira felicidade só existe quando compartilhada” e conseguiu entender exatamente o que ele quis dizer. Ela tanto havia corrido pelo mundo que acabou correndo de si mesma e da conexão mais profunda que ela poderia ter feito: a conexão humana. A solitude é aconchego quando temos para quem correr e recorrer. Quando se tem pra quem contar e encontrar. Sorrir, sofrer, compartilhar. Do contrário, é solidão.

Letícia pegou o seu celular e fez uma chamada de vídeo para seus pais. Passou horas relembrando as histórias de infância e conversando sobre projetos passados e futuros. Depois para seus irmãos e ficou vendo os sobrinhos brincando e brigando. Ligou para seus poucos amigos de infância e foram mais algumas horas de conversas a fio entre gargalhadas emocionadas e cobranças pela sua ausência e descaso. Com um sorriso no rosto e o peito aquecido de amor e conexão verdadeira, Letícia refletia sobre a felicidade ser, de fato, muito melhor quando compartilhada. E estava se dando conta do quanto sentia falta de amar e se sentir verdadeiramente amada. Entrou em seu carro e foi descendo pela estrada em busca de algum pequeno hostel onde pudesse passar a noite. Àquela altura, Letícia se sentia claustrofóbica dentro da imensidão que a cercava. Era uma sensação estranha e improvável, mas ela estava sufocada com tanto espaço, com tanto vazio para ser preenchido. Sentia urgir a necessidade de limite. A liberdade tinha seu preço.

No meio da estrada avistou um pequeno hotel e ali mesmo parou seu carro para conferir a disponibilidade. Enquanto a recepcionista preparava seu quarto, Letícia sentou no bar do saguão e pediu um café. Ao seu lado, apareceu um homem que aparentava ter a sua idade, aproximadamente, e que parecia exausto. Pediu um café longo e sem açúcar e se jogou na poltrona confortável a sua frente.

— Cansado da viagem?

Disse Letícia, ávida e desesperada por contato e diálogos.

— Muito… venho dirigindo sozinho há dias. Mas agora é hora de parar e reagrupar as ideias, escolher os novos caminhos na estrada. Você é daqui?

Letícia puxou uma cadeira, sentou-se ao seu lado e rapidamente trocaram muitos olhares e palavras. Seus olhos marejavam a todo momento e refletia como era especial travar um contato com outro ser humano repleto de histórias, memórias, desejos, frustrações, aspirações, teorias… Eram mundos complexos e diversos dentro de cada ser. Infinitos espaços a serem explorados e compartilhados. Aos poucos, ia se sentindo viva novamente. Fazia mil perguntas e estava quase sendo inconveniente, porque não queria parar de conversar e de ouvir as histórias, sentir o outro e seu universo particular. Refletia ali, naquele momento, sobre a importância da troca, do contato, da soma. “Será possível a felicidade completamente solitária? Nascemos e morremos sozinhos, isso é verdade. Mas durante todo nosso percurso cruzamos e nos entrelaçamos uns nos outros. A vida é um emaranhado de conexões, encontros e desencontros. Talvez seja impossível ser feliz sozinho”.

A partir daquele dia, Letícia manteve seu espírito aventureiro, aberto às possibilidades. Seguia viajando, explorando os mais diversos encantos pelos quatro cantos do mundo. Mas haveria um paradeiro para os seus desejos? Talvez, em breve, encontraria um ninho para repousar e descansar um pouco suas asas.