Busca incessante

Quando novos e imaturos, é comum darmos um crédito indevido a coisas bobas como a “caneta da prova”, para tirar boas notas ou a “blusa da sorte”, com a qual se consegue, sempre, conquistar uma garota… Essas superstições são ruins, pois acabam fazendo do sujeito das ações, alguém desimportante.

Seria impossível tirar boas notas em cálculo, sem sequer conhecer a matéria, mesmo portando a tal caneta. Da mesma forma, aquela menina que nunca te deu bola, não vai mudar de opinião, só porque você está com a tal blusa, que sempre funcionou com aquele amigo, que te emprestou para a ocasião.

Ainda que houvesse algo capaz de tais realizações, vale lembrar que estes objetos precisariam da presença de alguém em especial, para que a mágica acontecesse, ou então, nada feito. Apenas “a pessoa certa” conseguiria tirar a espada da pedra, devido às suas virtudes e dignidade. Formando um par amalgamado.

Dar o crédito de conquistas a objetos, nos afasta do mérito e, também, de nossa responsabilidade, dando um vulto enorme ao acaso. Dessa maneira, é mais construtivo termos na cabeça esta ideia de complementariedade, na qual os “poderes” de tal objeto, dependem de alguém com quem eles se combinam.

Para a realização de qualquer trabalho, a ferramenta boa e correta é de extrema importância e está diretamente ligada a bons resultados. Porém, é preciso ter cuidado para não deixar de agir, se perdendo na busca por condições idealizadas. Tendemos a queimar grande parte de nossa energia e motivação com o que não importa.

Parte do “som” de um músico, realmente, tem relação com seu instrumento, porém, a partir de um certo nível, as diferenças técnicas passam a ser cada vez mais sutis e, para a maioria, é impossível perceber. Quando percebidas, podem ainda, não ser apreciadas, dependendo de cada gosto musical.

Em momentos de grande pressão, tocar num instrumento que estamos habituados, pode trazer certa tranquilidade. Por este motivo, só percebemos que nosso instrumento é ruim, depois de tocar em um bom e voltarmos a tocar nele. Assim, como se deve ter cuidado para não ficar engessado, em um instrumento ruim, é preciso ter cuidado para não ficar numa eterna busca pelo inatingível.

Um instrumento caríssimo, “que toca sozinho”, depois de ser comprado, perde a graça e se torna, apenas, um instrumento, com suas características reais, seus prós e contras. No entanto, aquele que ainda não temos, manterá sempre seu status mítico, já que o desejo torna essa busca interminável.

Alguns instrumentos são, de verdade, muito bons, outros, têm muita fama, por terem sido usados por artistas consagrados ou em registros históricos. O fato é que, na grande maioria das vezes, um modelo não funciona bem na mão de todos os que o adquirem. Porque cada um tem seu tamanho, jeito de tocar, pegada… E vai render mais com o instrumento que combinar melhor consigo.

Existem casos de artistas ruins que se beneficiaram com a tecnologia, bem como de artistas fantásticos, que usam métodos e ferramentas inusitadas. Tais fatos incríveis, de superação e capacidade de aproveitar as oportunidades do seu tempo, criam e propagam os mitos, que deveriam ser encarados como exceção.

Querer ser diferente ou exceção está bem longe de ser, de fato, diferente. A obsessão por tornar-se mito, já criou famosos oportunistas e arrogantes. Sem ética, se dispõem a aproveitar qualquer janela para aparecer e, normalmente, criam mediocridades que consideram geniais e adoram outros como eles.

No entanto, o gênio é natural, inventivo, necessita se expressar e seguir seu instinto. Transborda verdade em sua perspectiva sobre a arte e a criação, não se sente acuado ao mostrar seu jeito, estilo e interpretação próprios e, normalmente, não se vê como gênio ou age forçosa ou premeditadamente.

Artistas como Hermeto Paschoal, se dizem operários a serviço da música. Se entendem como instrumento da arte, agindo sempre de acordo com o que ela necessita. Jogando pelo time, quando está com ou sem bola e, até mesmo, fora do jogo.

Curiosamente, o instrumento torna-se um instrumento do instrumento. Um apoio para traduzir o que habita em nós, através da linguagem da arte. Apesar de não fazer parte de nós, da arte ou do que vamos dizer, ele nos acompanha em toda caminhada. Mesmo sem saber, exatamente, para onde vamos e o que vamos dizer.

Dominar um instrumento, antes de tudo, é dominar a si mesmo. Conhecer limites, explorá-los e ultrapassá-los, sempre que possível. Ter disciplina, paciência, tenacidade, concentração. Compreendendo que a arte está além dele e de nós, e que é preciso buscar um entendimento de como ela se processa no mundo, nos seres, na sociedade, nos ouvintes e em nós mesmos.

Sua subjetividade e efeito são maiores que ela mesma, porque sintetizam todo seu objetivo: uma comunicação verdadeira, através de sensações e sentimentos. A descoberta e a construção de um discurso artístico são fruto da experiência e não de, efetivamente, se chegar a qualquer conclusão, afinal, precisamos de movimento e a busca é o que nos move.

Boas buscas! Até a próxima!