Beleza extrema no teatro pandêmico

Quando passou a primeira onda e as portas dos teatros começaram a se abrir, respeitando todos os protocolos, “Protocolo Volpone” começou a ser apresentado a um público restrito de apenas 20 espectadores, uma plateia literalmente “embalada”, espectadores envolvidos em “cápsulas”, cabines plásticas higienizadas e individuais. O estacionamento do Teatro Arthur Azevedo palco escolhido para que artistas imensos mostrassem o quanto a arte cênica pulsa.

Com a segunda onda, mais uma vez todos foram obrigados a pararem e fecharem as portas.

Para sorte dos demais espectadores, o espetáculo, que comemora os 20 anos da Cia Bendita Trupe, permeou para o virtual, oferecendo aos amantes do Teatro uma oportunidade sem igual, por tratar-se de um clássico, simplesmente imperdível.

Não é de surpreender que os artistas — heróis brasileiros — tragam belezas da dramaturgia mundial, neste momento propício, a ganância narrada pelo contemporâneo de Shakespeare, o dramaturgo Ben Joson, parece fazer uma boa leitura do Brasil atual.

É de máscara que tudo acontece, as máscaras, que poderiam ter salvo alguns, dentre os mais de quatrocentos e sessenta mil mortos, protagonistas neste momento pandêmico. E assim surge “Protocolo Volpone”, as máscaras que fazem parte do figurino, combinam suas cores com as indumentárias dos personagens, e o álcool, que atravessa o corpo como arma para alguns dos personagens, coadjuvante principal.

Figurinos remetem ao clássico, no entanto foram estilizados por Silvana Marcondes, que carimbou suas impressões, em uma explosão de cores. Divertido e harmonizado do clássico à modernidade.

“Volpone é um homem sem filhos, especialista na arrecadação de riquezas e, para mais acumular, finge estar agonizante e diverte-se com o desfile de bajuladores que, na expectativa de serem contemplados em seu testamento, o enchem de favores e se prestam a todas as humilhações.”

Um clássico bem respeitado, houve minuciosidade ao realizar a obra, que já está disponível, gratuitamente, na plataforma do YouTube. O espetáculo é um dos mais exibidos no Reino Unido, exatamente por isso merece todo cuidado e reverência ao apresentá-lo.

Filmagem limpa, um trabalho executado com excelência por profissionais, que atuam no teatro atual. Há de se mencionar alguns nomes: Kim Leekyung e Marcelo Villas Boas, responsáveis pela captação e edição das imagens. Felipe Santana, que cuidou com exatidão do áudio, pois mesmo mascarados, as vozes dos artistas estão bem audíveis. E para completar, Pedro Birenbaum e sua direção musical sem arranhões, do início ao fim do espetáculo, é notória sua capacidade intelectual e seu bom-gosto.

É uma constelação que desce para encenar e dar vida, por meio das artes cênicas. Falar desses artistas não é uma tarefa difícil, pois fica evidente a grandeza de cada manifesto apresentado.

Volpone é encarnado por Daniel Alvim, que assumiu o seu papel, de certo um personagem sob medida. O ator se jogou em uma cama carroça, como uma verdadeira raposa. Não fez nada além de tirar proveito, encena completamente solto como quem gosta da brincadeira de roda e também é dissimulado, como o personagem deve ser. Funde-se ao personagem de tal modo, que fica quase impossível ver Daniel no palco, mas sim, Volpone ressuscitado.

Mosca é o faz tudo de Volpone, o servo, vivido por Maurício Barros, que merece todos os prêmios de teatro por esse espetáculo. Ele faz o espectador delirar, sorrir, sentir, aflorar todos os sentimentos do início ao fim da peça. O ator atropela a alma dos admiradores de Teatro por meio de suas majestosas partituras corporais, de sua perfeita dicção, em uma das maiores atuações vistas nessa pandemia.

Que força, que montagem, que encanto! Não há palavras para dimensionar a atuação do artista, é de embasbacar qualquer um. Parece ter nascido para essa obra, impossível não se entorpecer, impossível não reconhecer a excelência desse trabalho irretocável.

Que se abram aspas “os banhos de álcool, tomados pelo ator em cena, fazem qualquer brasileiro notar como deve-se lhe dar com o vírus, uma comunicação corporal clara e direta, bem mais útil que a tentativa de comunicação realizada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República”.

Caracterizações agregadas aos adereços dão credibilidade a cada personagem.

“Ouça a grande música do dinheiro, enquanto se balança a sacola para o mesquinho Volpone…” Que maravilhosa adaptação do texto, também o que se esperar do gigante Marcos Daud?

As legendas em português, inglês ou espanhol estão disponíveis nas configurações, possibilitando acesso a todos. É o Brasil, que sabe e pode voar pelos sete-mares com sua arte.

Em um vídeo, Helena Ranaldi chega trajando um figurino vermelho e botas pretas, exuberante, linda e talentosa. Ela é Canina, a esposa de Corvino, que na trama a oferece a Volpone. Corvino, interpretado por Joca Andreazza, também dispensa comentários.

O duelo de Mosca (Maurício de Barros) com Canina (Helena Ranaldi) é uma delícia, artistas à vontade, evidenciam ao expectador o que é Teatro.

Colomba (Vera Bonilha) transcende em beleza, formosa em sua bem-aventurada teatralidade, entra em cena dançando e muito bem iluminada por Aline Santini. Bonilha assume a pombinha, com onomatopeias sensacionais dos animais. Uma delícia assistir à atriz. Com ela também vem uma certa ingenuidade, mas nos desdobramentos…

Existem mais mãos competentes, mais elenco, mais potência, são tão imensos que transformariam uma resenha em um Bíblia Sagrada.

Os nomes de animais dados aos personagens são um estilo da época, 1600 também pertenceu à La Fontane, que sempre em suas fábulas acolhia os animais, em contos que reverberam até hoje. O espetáculo foi apresentado pela primeira vez, no “Globe Theatre”, teatro construído por Willian Shakespeare.

Johana Albuquerque assina a direção com o assistente Cacá Toledo, ambos elevam a obra e fazem o espectador entender a eficácia de uma pesquisa aguçada com viés respeitado, fica nítida a importância de um olhar robusto e questionador sobre obras tão imensas como essa. Um espetáculo reconhecido na Era Jacobina, que sucedeu à Elisabetana. E dependendo de quais mãos os acordem é possível reviver a era dourada dos grandes dramaturgos.

PROTOCOLO VOLPONE

Temporada até 5/6

Sextas e sábados, às 20h

Duração: 120 minutos

Ingressos Gratuitos

Acesse: Youtube/Protocolo Volpone

Debate na segunda-feira, 07/06, das 18h30 às 20h30

Acesse: Youtube/Protocolo Volpone ou Facebook Bendita Trupe

 

FICHA TÉCNICA 

Texto: Ben Jonson, na versão de Stefan Zweig

Adaptação: Marcos Daud

Idealização e direção: Johana Albuquerque

Assistência de direção: Cacá Toledo

Elenco:

Daniel Alvim (Volpone),

Helena Ranaldi (Canina),

Joca Andreazza (Corvino),

Luciano Gatti (Leone),

Marcelo Villas Boas (Juiz),

Maurício de Barros (Mosca),

Pedro Birenbaum (Inspetor e Músico em cena),

Vanderlei Bernardino (Voltore),

Sérgio Pardal (Corbaccio),

Vera Bonilha (Colomba).

Cenografia e Adereços: Julio Dojcsar

Desenho de Luz: Aline Santini

Figurino: Silvana Marcondes

Direção Musical, Músicas Originais, Produção de som e Teclados: Pedro Birenbaum

Visagismo: Leopoldo Pacheco

Colaboração nos desenhos de cena: Kenia Dias

Preparação corporal de Kempô: Ciro Godoy

Maquiadora: Jess Inamura

Sonorização: Kako Guirado

Operação de Som: Anderson Moura

Assistente de Luz e Operação: Pajeú Oliveira

Microfonista: Matheus Santos

Design gráfico: Murilo Thaveira

Mídias sociais: JustWebSites

Fotos Ensaio e Teasers: Marcelo Villas Boas

Fotos Divulgação: Maria Clara Diniz

Assessoria de Imprensa: Pombo Correio

Filmagem em 04 câmeras e Edição do Espetáculo: Kim Leekyung e Marcelo Villas Boas

Áudio Studio – Felipe Santana

Legendas – Miguel Aceves Ramos Junior

Tradução Legendas Inglês – Jorge Minicelli

Tradução Legendas Espanhol – Iralys Escalona

Transmissão – Daniel Lopes

Ciclo de debates:

Mediadores: Ruy Cortez; Johana Albuquerque; Joca Andreazza; Cacá Toledo.

Debatedores: Bendita Trupe; Pedro Granato; Marcos Daud; Ricardo Cardoso; Kil Abreu e Valmir Santos.

Produção Executiva: Marcelo Leão

Produção: Anayan Moretto

Coordenação geral: Johana Albuquerque

Realização: Bendita Trupe

Foto Maria Clara Diniz