As mulheres e a cultura do estupro

Não consigo precisar quando e porque a “cultura do estupro” se instalou em nossa sociedade. De certo o machismo entranhado nas mais variadas camadas sociais possivelmente tem uma contribuição significativa para a construção desse cenário. A ignorância em relação a este tema presente nos núcleos de nossa sociedade talvez também represente uma forte parcela na composição dessa cultura. A aparente fragilidade física do gênero feminino, com a remota a imagem feminina sendo arrastada pelos ditos “homens da caverna”.

Vários momentos históricos subjulgam a mulher colocando-a sempre em posições de retaguarda e desfavorecidas dos privilégios entregues aos homens. Os reis cercados de várias esposas, todas submissas a ele. O corpo feminino desde sempre destacado naturalmente como um objeto do desejo carnal. Fato é que, veladamente, em todos os tempos, a cultura do estupro esteve presente.

Faz-se necessário desmistificar a compreensão de que estupro implica em penetração apenas. Tocar nas genitálias, forçar que o outro toque, se esfregar e ejacular sobre a mulher, tudo isso pode ser arrolado como estupro. Até mesmo um marido, quando ignora a falta de desejo da mulher ante a relação sexual e a possui assim mesmo, está cometendo um estupro. Mesmo que a mulher seja sua esposa. Porém, é importante ressaltar que acompanhando o desconforto desse tipo de agressão, uma avalanche emocional recai sobre a mulher abusada. Talvez, exatamente por isto, seja tão importante esclarecermos todos estes pontos relacionados a este tipo de agressão à mulher.

Quando isso não ocorre a “cultura do estupro” se impõe. Em defesa dela ouvimos comentários que tentam o tempo inteiro imputar a responsabilidade do crime ao comportamento feminino, atenuando a culpa do agressor. Postura recorrente nas críticas ao vestuário, que poderia, segundo este pensamento, induzir ao abuso.

Assisti esta semana à série documental sobre o médium João de Deus. Este homem cumpria prisão em regime fechado por três sentenças, que somam mais de sessenta anos, dentre outros crimes, estupros cometidos contra nove mulheres dentre as trezentos e cinquenta que formalizaram a denúncia. Infelizmente, devido à pandemia, os advogados pleitearam e conseguiram o direito à prisão domiciliar. 

Estarrecida fiquei ao assistir no mesmo documentário homens declarando que havia exagero, que o réu poderia até ter importunado, ou cometido os delitos com um número inferior de mulheres, no entanto jamais com tantas. Ou pior, que o que motivava as denúncias era o dinheiro. Como assim? Que mulher gostaria de se expor desta forma? As vítimas não receberão nada além do que a justiça possa ofertar. Quanto ao réu, talvez tenha como pano de fundo um transtorno, uma parafilia, ou não. De qualquer maneira, a ignorância sempre será o fomento que faz com que se banalize um crime hediondo como esse, ou ainda que se distorça a posição de vítima ocupada pela mulher. Desmerecendo-a ao ponto de considerar passível o abuso num quantitativo menor do que o apresentado nas denúncias. Não importa se foi uma, ou se foram trezentos e cinquenta, não há nada que justifique este tipo de comportamento.