As lições do vírus

A maior e mais destrutiva pandemia que podemos viver já está em curso faz tempo e, pior, é cultuada. Trata-se do individualismo. Nossa sociedade insistiu em se decompor em seus valores coletivos. Chegamos ao ponto de esfacelar mínimas relações de convivência coletiva e agora pagamos um preço alto.

E vejam só que vergonha, não adiantou o debate político, teórico, filosófico, religioso… quem veio nos ensinar foi um vírus.

A primeira lição foi a importância da pesquisa científica. Ela nos tira das trevas, nos permite entender e combater males invisíveis. Portanto, quem desdenha da ciência paga um preço alto. E não se trata de praga divina. Trata-se de lógica racional, social. E claro, um governante que não investe em ciência nos destina à morte.

A segunda lição é a da necessidade da saúde pública e integrada. Percebam, vivemos em sociedade. Temos, queiramos ou não, contato com o outro. O cuidado com o coletivo é também o cuidado conosco, por consequência. Me parece claro, que consultórios e clínicas particulares não possuem condições de lidar com saúde pública e coletiva. Primeiro, pelo alcance seletivo de seu atendimento. E segundo, porque não estão integrados em rede. Assim, embora possam aparentar maior eficiência no atendimento de uma pessoa, não são eficazes no todo e, como vivemos integrados, seguimos expostos a determinados vírus se todos não forem tratados. Isso mesmo, viver em sociedade é isso. Não adianta eu me cuidar se quem está ao meu lado não se cuida, ou não possui condições para se cuidar. Não existe isolamento, ou individualização, absolutos.

Pronto, esta é a terceira lição. Seja qual for sua ideologia, forma de ver o mundo, entendimento sobre nossa existência, tanto faz, você não vive isolado. Não há exemplo em nosso planeta de vida absolutamente isolada. E isso quer dizer que, queira você, ou não, seu bem-estar depende do nível de bem-estar do outro.

Você pode ser muito rico, viver num condomínio de muros enormes e ir trabalhar de helicóptero, e continuará em contato com as demais pessoas. Precisará de serviços de terceiros. Empregados, pilotos de helicóptero, porteiros, seguranças. Esse contato e a forma de vida das pessoas de sua sociedade implicará, por exemplo, em contaminações e no grau de preocupação que você terá com sua segurança. Aliás, segurança no amplo sentido.

Segurança é saúde e integridade física. Já parou para pensar que o acesso à saúde dos outros implica na sua saúde? Já parou para pensar que se todos tiverem condições de trabalho dignas, tendo suas necessidades básicas atendidas, seu nível de segurança aumenta? Ou seja, a violência diminui. Já pensou, por fim, que uma sociedade menos desigual com amplo atendimento a direitos coloca todos nós em uma vida mais tranquila e harmônica?

Pois é, você até pode morar nesse condomínio e ter helicópteros, mas se isso se der em uma sociedade mais justa, ou menos desigual, sua vida ficará melhor.

Quarta e última lição, quase como conclusão, se vivemos em sociedade e isso implica em interação, sempre, quer dizer que não se pode abrir mão do estado. Isso mesmo, precisamos desse regulador de relações. Desse que, por origem deve zelar por esse bem-estar coletivo. Aí você me diz: “mas nossos governos…”. Sim, mas eles são a expressão de nossas ações e pensamentos.

Majoritariamente a nossa sociedade vem apoiando o não investimento em pesquisa, saúde pública, educação… majoritariamente nossa sociedade tem sofrido com a ausência disso tudo, também.
Sigamos em nossa quarentena. Nos protegendo e entendendo que quando fazemos isso protegemos a nós e aos demais. Assim como quando os outros o fazem nos protegem também. Isso é viver em sociedade. Isso é responsabilidade e maturidade cidadã.

Que tudo isso passe logo e que possamos sair maiores.