Alienado é quem só vê alienação no Carnaval

Basta o Carnaval se aproximar que o cordão dos reclamões bota a corneta para fora. Todo ano é o mesmo enredo: “Se a população se dedicasse tanto a lutar por seus direitos quanto se dedica à folia, seriamos um país melhor”. Ah, sai do meu bloco! Deixa as pessoas se divertirem! E preste mais atenção no que diz. Carnaval está longe de ser só alienação. Isso é papo de quem nunca foi à escola. Escola de samba.

Para começo de conversa, note os blocos de rua. São muitos, eu sei. Têm para todos os gostos. Democráticos, como muitos governos não são. Inclusive, tem para quem quer protestar no meio da festa. Bloco que critica políticos corrutos, bloco que condena o machismo, bloco contra preconceitos raciais, bloco em prol da luta LGBTI+ e muito mais. É possível, histórico e constante botar senso crítico no samba.

Falando em samba, seria impossível enumerar neste texto carnavalesco a quantidade de sambas enredos que têm como tema críticas sociais. São muitos. Esse ano de 2020, tivemos alguns nessa levada.

Nos quatro dias de folia sempre ecoaram manifestações sociais. “É fundamental sempre pensar o carnaval carioca na perspectiva contínua de resistência e contra-resistência”, escreveu Victor Andrade de Melo, em Lazer e Minorias Sociais, editora IBRASA.

Andando pelas ruas das grandes cidades foliãs do Brasil é fácil notar inúmeras pessoas com fantasias que exaltam alguma questão pertinente para os bons rumos do país.

“É necessário lembrar que o carnaval, para uma parte dos cariocas, sempre teve a dimensão de ser um tempo de subversão da cidadania roubada. Inventamos na rua a cidade negada nos gabinetes poderosos, sobretudo no contexto de transição entre o trabalho escravo e o trabalho livre, nos últimos anos da monarquia e nos primeiros da república, quando a festa ganhou contornos populares mais contundentes e uma parte significativa dela passou a ser um canal de expressão de descendentes de escravos. A partir daí a festa confunde-se com a própria história da cidade, como é até os dias atuais”, Luiz Antonio Simas, um senhor carnaval, me disse isso em uma entrevista.

Está vendo, não-folião desinformado? Carnaval não é só alienação. É muito mais que isso e merece respeito. E cá entre nós, se fantasiar de alienado por quatro dias para esquecer um pouco dos tantos problemas que vivemos não é nenhum crime ou pecado. “Pecado é não brincar o carnaval”, como disse o samba (crítico, campeão e já histórico) da Mangueira.